TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sejam inteirados em espécie, aquando da divisibilidade da coisa, sem que haja lugar a tornas (artigo 929.º do Código de Processo Civil). Assim, se as frações, quer na sua permilagem quer no seu valor, forem muito afastadas das quotas de cada um dos comproprietários, não será possível preencher os quinhões sem o recurso a tornas (dar ou receber tornas). E não sendo possível formar quinhões na proporção da quota de cada com- proprietário, de acordo com critérios de razoabilidade, também não pode haver adjudicação por acordo ou por sorteio (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de novembro de 2002, proc. n.º 02A2594, de 14 de outubro de 2004, proc. n.º 04B2961, de 23 de setembro de 2008, proc. n.º 08B2121 e de 15/02/2018, proc. n.º 11337/77, todos disponíveis em  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf ). Ora, nas situações de indivisibilidade – seja por impossibilidade de constituir a propriedade horizontal, seja por impossibilidade de formar quinhões na proporção das quotas – admite-se uma alternativa: acordo dos interessados na adjudicação do prédio a um dos comproprietários, com atribuição de tornas aos demais, ou venda da coisa, com distribuição pelos comproprietários do produto obtido pelos interessados, de acordo com as respetivas quotas (artigo 929.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Como se vê, a única garantia que o preferente tem nesta situação é a partilha do valor do prédio. Na eventual ação de divisão de coisa comum que venha a ser proposta, pode suceder que o imóvel, na sua totalidade, venha a ser vendido, com repartição do respetivo valor pelos consortes, conforme as suas quotas-partes. Nessa hipótese – que tem elevado grau de probabilidade -, não está em causa, como é patente, a proteção do direito à habitação do arrendatário, em nenhuma das suas (possíveis) dimensões. Mas mesmo que se encontrem reunidos os pressupostos para a constituição de propriedade horizontal, a lei não garante que na ação de divisão de coisa comum a fração autónoma correspondente ao local arrendado seja atribuída ao preferente. Chegamos assim à conclusão, e decerto não podia ser outra, de que a possibilidade da preferência numa quota do prédio não permite alcançar os objetivos que estão na sua base, pois dessa forma o inquilino não acede de imediato à propriedade da habitação, nem se consegue eliminar a eventual especulação imobiliária. Na verdade, a transformação do arrendatário em comproprietário pode criar uma situação de maior instabi- lidade habitacional, porque a posterior divisão pelos contitulares é operada através de diversos mecanismos cujo acionamento dependerá sempre de concretas circunstâncias, desde logo, da possibilidade de se cons- tituir ou não a propriedade horizontal, da existência ou não de acordo, ou da opção pelo sorteio ou venda a terceiro, com distribuição do respetivo produto. Assim sendo, perde-se pelo menos a especial ligação do arrendatário ao locado, que constituía, em parte, a justificação para que lhe fosse atribuído o direito de prefe- rência em análise. E tanta basta para termos de reconhecer que a norma do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil não é medida capaz de promover a estabilidade na habitação e impedir a especulação imobiliária. Em segundo lugar – mesmo que se aceitasse prima facie que a medida é adequada e idónea – é evidente a desnecessidade da mesma para promover o acesso do locatário à propriedade da habitação própria. Para garantir a habitação própria do arrendatário não era indispensável que a preferência tivesse por objeto parte alíquota do prédio correspondente à permilagem do locado, ficando a divisibilidade da coisa comum à mercê da verificação de situações futuras e hipotéticas. Se para assegurar a habitação do arrendatário é preciso constituir ope judicis a propriedade horizontal, porque não exigir que o vinculado à preferência fracione o edifício em propriedades distintas antes de o alienar? Nada impede que o proprietário pleno e exclusivo de um edifício habitacional, construído já há muito tempo, constitua o regime de propriedade horizontal sobre esse edifício, para depois alienar separadamente as várias unidades a outros sujeitos. Se faltam requisitos formais para se lavrar o título de propriedade horizontal certamente que tal regime também não poderá será constituído por decisão judicial proferida em processo de divisão de coisa comum. O Projeto de Lei n.º 846/XIII/3.ª, que esteve na base da Lei n.º 64/2018, de 29 de setembro, consagrava a obrigação de o proprietário constituir a propriedade horizontal, como requisito de venda do imóvel, o que permitia, desde logo, a aquisição da fração autónoma correspondente ao local arrendado. Estando o prédio constituído em propriedade horizontal, com frações autónomas, a preferência poderia incidir sobre a fração arrendada, aliás, em obediência à regra expressa no artigo 1091.º, n.º 1, do Código Civil, que menciona “local arrendado”. Contudo, essa possibilidade não foi acolhida na lei, porventura por se considerar que o

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