TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

121 acórdão n.º 299/20 do Código Civil); «a divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo» (artigo 1413.º, n.º 1), designadamente através da ação de divisão de coisa comum, regulada nos artigos 925.º a 930.º do Código de Processo Civil. No final desta ação, o arrendatário, entretanto tornado comproprietário, poderá tornar-se proprietário de fração autónoma, uma vez que uma das vias de constituição da propriedade horizontal é, precisamente, a ação de divisão de coisa comum, a qual pode ser requerida por qualquer consorte, caso se encontrem reunidos os requisitos exigidos pelo artigo 1415.º do Código Civil e pelas leis administrativas. Não é, todavia, seguro que a estabilidade na habitação seja efetivamente protegida pelo exercício do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil. E isto por duas ordens de razão: por um lado, pode não ser possível a divisibilidade em substância e jurídica da coisa comum, tendo em consi- deração as suas características físico-materiais; por outro, mesmo quando tal seja possível, não está garantido que a parte afeta ao “uso exclusivo” venha a ser adjudicada ao preferente. A aquisição da propriedade plena da parte especificada do prédio afeta ao “uso exclusivo” do preferente só é possível se estiverem reunidas as condições civis e administrativas para o prédio ser autonomizado juri- dicamente. Na ação de divisão de coisa comum, a forma especial de dissolução da compropriedade, qualquer dos consortes, sem necessidade do acordo dos demais, pode suscitar a divisibilidade do prédio através da constituição da propriedade horizontal. A constituição  ope judicis  da propriedade horizontal, determinada na fase declarativa da ação, depende apenas do preenchimento dos requisitos civis e administrativos exigidos para a autonomização das frações. Os relatórios periciais e as informações das autoridades administrativas competentes asseveram se é possível, em face da legislação e regulamentação existente, a constituição do prédio urbano em frações autónomas. Concluindo-se pela divisibilidade, procede-se à formação de quinhões na proporção da quota de cada comproprietário, e segue-se para a fase executiva de atribuição a cada consorte da parcela que lhe compete, atribuição essa que respeitará eventual acordo dos interessados ou o sorteio que for realizado (artigos 926.º, n.º 5, e 929.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Como é óbvio, não havendo acordo na distribuição paritária das frações, a adjudicação feita por sorteio nunca poderá garantir que o preferente venha a adquirir a fração que habita, cujo “uso exclusivo” foi atribuído na sequência do exercício do direito de preferência. Poderá eventualmente ficar com outra fração no mesmo prédio de permilagem e valor idêntico ao locado, mas como já se verá, para garantir a estabilidade na habitação não era necessário criar uma situação tão incerta como essa. Porém, é bem provável que os prédios que nunca foram sujeitos a autonomização jurídica – geralmente edificações centenárias, situadas nos núcleos históricos, sem parqueamento habitacional – não reúnam sequer os requisitos legais de natureza imperativa, especialmente os de ordem administrativa ou urbanística, neces- sários à constituição da propriedade horizontal. Como se sabe, o modo de constituição de unidades prediais distintas a partir de um único edifício passa necessariamente, no nosso sistema jurídico, pela constituição da propriedade horizontal. A lei civil fixa como requisitos de constituição da propriedade horizontal, sob pena de nulidade do título, que se trate de unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para a parte comum do prédio ou para a via pública (artigo 1415.º). A par destes, existem requisitos admi- nistrativos que, decorrendo da verificação das exigências arquitetónicas, de ordem estética e urbanística, de segurança, salubridade, etc., são de satisfação exclusivamente deferida às Câmaras Municipais. A estas enti- dades cabe sempre, como requisito prévio da constituição da propriedade horizontal, emitir certificado de que o edifício é dotado dos requisitos que o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação exige para o efeito (artigos 62.º a 66.º e 74.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro – RJUE). Ora, se não for demons- trado estarem satisfeitos os pertinentes requisitos administrativos de constituição da realidade jurídica que a ação visa, mediante instrução dos autos com a certificação municipal, o prédio será juridicamente indivisível. Por outro lado, a divisibilidade que a lei prevê no artigo 925.º do Código de Processo Civil tem que ser de modo a inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas. Como reiteradamente considera a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a indivisibilidade ou a divisibilidade de coisa comum tem ainda de ser aferida em função da quota-parte de cada proprietário, para que os interessados

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