TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a ele, fundamentalmente, em caso de “erro manifesto de apreciação”. Tal ressalta com nitidez do Acórdão n.º 187/01, quando refere que «em casos destes, em princípio, o Tribunal não deve substituir uma sua avalia- ção da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efetuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador. (…); a própria averiguação jurisdi- cional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detetar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa». E posto isto, impõe-se responder diretamente à questão de saber se a norma contida no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil constitui medida legislativa inadequada, indispensável ou desrazoável. 21. Vimos acima que tal norma afeta o direito de transmissão da propriedade, no sentido restrito de direito de não ser impedido de alienar o prédio. Nesta dimensão, a norma tem que ser considerada como verdadeira restrição do direito fundamental de propriedade, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias. Estão em jogo dois direitos de natureza diversa – o direito de propriedade e o direito de habitação – em que a proteção deste importa a supressão ou oneração de elementos estruturais daquele. Para além disso, trata-se de medida legislativa que altera o conteúdo da propriedade para o futuro, mas que também atinge posições jurídicas já existentes. Na medida em que afeta imediatamente posições jurídicas já constituídas – o principal objetivo da Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro –, não pode deixar de ser caracterizada norma restritiva do direito fundamental de propriedade. Como refere Miguel Nogueira de Brito, «as medidas legislativas que dispõem sobre o uso ou o poder de disposição dos bens objeto da pro- priedade incluem-se nas normas respeitantes à determinação do conteúdo e limites da propriedade, quanto às posições jurídicas ainda não constituídas ou o exercício futuro das posições jurídicas anteriores, devendo, no entanto, ser consideradas como restrições no que diz respeito à afetação imediata das posições jurídicas constituídas ao abrigo do regime anterior» ( ob. cit. , p. 990). Ora, as limitações ou restrições ao direito de propriedade que decorrem do direito de preferência pre- visto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil têm que revelar-se meio idóneo, exigível e proporcional para alcançar as finalidades constitucionalmente legítimas de promoção da estabilidade na habitação e impedi- mento da especulação imobiliária (artigo 65.º da CRP). Não é isso, no entanto, o que se verifica com o regime especial de preferência estabelecido naquele preceito. Em primeiro lugar, o direito de preferência não permite ao arrendatário o acesso imediato à proprie- dade plena do local arrendado. Não podendo incidir sobre o “local arrendado”, porque o prédio não está constituído em propriedade horizontal, a norma determina que o direito de preferir tenha por objeto parte alíquota da propriedade do prédio. O que só por si nos mostra a eliminação da fragilidade própria do acesso ao gozo do imóvel assente na subsistência de relação contratual, mas, por outro lado, a vulnerabilidade da situação em que o preferente fica colocado. De facto, apesar do arrendatário não ficar privado do “uso exclusivo” do local arrendado, o interesse na estabilidade habitacional deixa de ser tutelado pelas normas imperativas do arrendamento para habitação permanente – designadamente, a regra da prorrogação automática do contrato (artigo 1057.º do Código Civil) –, ficando na dependência da vontade de cada consorte em concretizar a respetiva quota, pondo fim à communio pro indiviso , ou do acordo unânime dos condóminos para disposição ou oneração de parte espe- cificada do prédio. É claro que o preferente que adquire quota-parte de coisa comum tem direito – tal como, aliás, os restan- tes comproprietários – de exigir a divisão da coisa: «nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa» (artigo 1412.º, n.º 1,
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=