TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
119 acórdão n.º 299/20 dimensão do direito de propriedade em causa é a faculdade de acesso à propriedade do local arrendado – o direito à propriedade. Nesta perspetiva, o direito à propriedade, no sentido de direito de apropriação, é um direito de carácter social e económico, onde releva a dimensão positiva do direito fundamental enquanto direito a prestações. Não existe, porém, qualquer restrição legal ao direito de acesso à propriedade. Bem pelo contrário, o que se pretende é conferir ao arrendatário oportunidade de aceder, definitivamente, ao gozo do imóvel, adquirindo a plena propriedade, em antecipação a terceiro. A aquisição da propriedade do “local arrendado”, por força do exercício do direito de preferência, só se justifica enquanto expressão do direito fundamental à habitação. Aqui, o arrendatário é visto como um beneficiário do direito à habitação – um direito económico e social consagrado no artigo 65.º da CRP – e não como titular de um direito de propriedade privada. Por isso, não estão em confronto duas posições jurídicas tuteladas pela garantia constitucional da propriedade, mas a resolução de conflito entre o direito de propriedade do senhorio e o direito à habitação do arrendatário. É nesta perspetiva que o Tribunal Constitucional tem abundantemente justificado limitações ao direito de propriedade do senhorio com base na proteção constitucional do direito à habitação do inquilino (Acór- dãos n. os 425/87, 131/92, 151/92, 311/93, 4/96, 263/00, 77/01 e 201/07). A proteção do direito à habita- ção do arrendatário traduz assim um limite externo ao direito de propriedade do senhorio, só podendo atuar quando devidamente justificada pela vinculação social que recaia sobre a posição deste. 20. A possibilidade que assiste ao legislador de restringir o direito de propriedade para proteger a estabi- lidade na habitação do arrendatário, revelada no artigo 65.º da CRP, não é ilimitada, na medida em que está, desde logo, vinculada pelo princípio da proporcionalidade. Na verdade, estando em causa a legitimidade constitucional de normas que limitam ou restringem direito fundamental, impõe-se a necessidade de avaliar a justificação da sua vigência, bem como o modo e a medida da compressão do direito. Assim, considera-se que «não é incompatível com a tutela constitucional da propriedade a compressão desse direito, desde que seja identificável uma justificação assente em princípios e valores também eles com dignidade constitucional, que tais limitações ou restrições se afigurem necessárias à prossecução dos outros valores prosse- guidos e na medida em que essas limitações se mostrem proporcionais em relação aos valores salvaguardados» (Acórdão n.º 391/02). De modo que o princípio da proporcionalidade tem aplicação quando a intervenção do legislador restringe o âmbito de proteção do direito fundamental de propriedade; estando em causa dimensão em que o direito fundamental é de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a admissibilidade constitu- cional da restrição tem que ser analisada à luz do regime previsto nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP. A aplicabilidade do princípio da proporcionalidade mantém-se ainda que as restrições à propriedade sejam impostas pela solução de conflitos com outros direitos, valores ou princípios constitucionais (Acórdãos n. os 254/99 e 723/04). A admissibilidade de limites resultantes do conflito com outros direitos constitucio- nalmente garantidos também tem que ser justificada pelos parâmetros da proporcionalidade. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, impõe-se que «tais limites reduzam o âmbito do direito ou direitos atin- gidos apenas na medida estritamente necessária à superação do conflito» ( ob. cit. , Vol. I, p. 389). Como é sabido, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: (i) princípio da adequação ou idoneidade, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucio- nalmente protegidos); (ii) princípio da exigibilidade, necessidade ou indispensabilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (iii) prin- cípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporciona- das, excessivas, em relação aos fins obtidos (Acórdãos n. os 187/01, 491/02 e 159/07). Importa ainda ter presente que a aplicação do princípio da proporcionalidade deve basear-se num rigo- roso critério de evidência. Ou seja, deve respeitar o espaço de livre conformação legislativa e sobrepor-se
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