TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL razão para supor que, conseguindo, o faça por um preço que, somado ao valor que recebera do preferente, iguale ou supere a oferta inicial, relativa ao prédio na sua integralidade; por último, a imposição ao proprie- tário obrigado à preferência de se tornar comproprietário do seu anterior arrendatário coloca-o em risco de, na ação de divisão da coisa comum que venha eventualmente a ser interposta por qualquer dos consortes, acabar por vender a coisa em condições muito diferentes – maxime no que respeita ao preço – daquelas que inicialmente projetara e acordara. Importa, pois, reconhecer que o direito de preferência em análise pode contribuir para desvalorização muito significativa do prédio. É evidente que é mais vantajoso, na perspetiva do comprador – e, portanto, mediatamente, também do vendedor, uma vez que tal vantagem se reflete no preço –, comprar o prédio na sua totalidade do que adquirir quota-parte do direito de propriedade sobre ele incidente, em que uma das partes componentes está afeta por lei ao uso exclusivo de um dos consortes. Acresce que, diferentemente do que acontece na venda de coisa conjuntamente com outra (artigo 417.º do Código Civil), quando aplicável à preferência do arrendatário, o legislador nem sequer acautelou a situa- ção do proprietário quando tem dificuldade em arranjar comprador para as partes alíquotas não sujeitas à preferência. Naquele caso, o proprietário pode fixar livremente um preço para cada coisa em particular, que consta da comunicação para o exercício do direito de preferência, e tem à sua disposição – ao contrário do que sucede no âmbito da norma sub juditio – o mecanismo previsto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º e densificado no n.º 7 do artigo 1091.º, relativo à venda de coisa juntamente com outras: «[s]e o obrigado qui- ser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em rela- ção àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável». A faculdade de, em certas circunstâncias, exigir que a preferência abranja todas as coisas envolvidas no negócio projetado constitui importante salvaguarda do proprietário, obstando a sacrifício excessivo dos seus interesses, face aos do preferente. É seu pressuposto a existência de várias coisas que se projetam vender em conjunto: vários imóveis ou várias frações autónomas. Ora, no caso em apreço há apenas uma coisa: o prédio não constituído em propriedade horizontal. Assim, o facto de a venda cingida a uma parte do prédio constituir prejuízo apreciável não é tido em conta, o que constitui agravante adicional da posição do proprietário. Em termos sistemáticos, não será fácil justificar a diferença de tratamento: se há razões para, em certas circunstâncias, proteger o proprietário no caso de venda de coisas autónomas entre si, por maioria de razão as haverá no caso de venda de partes componentes da mesma coisa. 18. A limitação à liberdade de transmissão da propriedade prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil visa promover um interesse constitucionalmente protegido: «o acesso à habitação própria» [artigo 65.º, n.º 2, alínea c) , e n.º 3, da CRP]. Como já referido, a garantia constitucional da propriedade privada encontra-se vinculada à prossecução de importantes fins sociais, também eles prescritos ao legislador pela Constituição. Por isso, na fixação do conteúdo e limites do direito de propriedade, o legislador é obrigado a estabelecer um regime socialmente justo do direito de propriedade. Um dos interesses sociais a considerar na fixação desse regime é o direito à habitação: «o direito à habitação consiste no direito a obtê-la por via de propriedade ou arrendamento, tradu- zindo-se na exigência de medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objetivo» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. p. 834). A limitação do direito de propriedade pode, assim, decorrer da necessidade de proteção do «direito social» à habitação. Que o direito à habitação constitui direito fundamental, protegido pela Constituição, apto a justificar limitações e restrições ao direito de propriedade privada do senhorio, é proposição que não oferece dúvi- das. Nos termos do artigo 65.º, n.º 1, «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar»; já a alínea c) do n.º 2 dispõe que, «[p]ara assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado» «[e]stimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou
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