TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
115 acórdão n.º 299/20 será negócio distinto daquele que o proprietário projetara realizar, já que será sempre exercido em absoluta disparidade de condições com qualquer outro comprador. Também, por sua vez, a norma questionada impõe limites à liberdade do proprietário estipular as condi- ções em que pretende alienar o prédio parcialmente arrendado. Para além de não poder dispor integralmente do prédio, não pode escolher a medida da quota, nem o respetivo valor. O proprietário tem possibilidade de determinar concretamente o valor total da transação, mas a parte alíquota do prédio e o preço da alienação – o objeto do direito de preferência – é imposto pela alínea a) do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil: valor proporcional da quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado face ao valor total da transmissão. Para determinar a medida da quota correspondente à permilagem do locado, o proprietário tem que dividir o prédio em unidades físicas individualizadas – ainda que não constituídas em propriedade hori- zontal – e fixar-lhe o valor que, segundo o seu arbítrio, considere razoável. É esse valor relativo, expresso em permilagem do valor total do prédio, que indica a medida da quota do preferente no direito comum e que exprime a proporção em que irá participar nas vantagens e encargos do prédio (artigos 1403.º, n.º 2 e 1405.º do Código Civil). Todavia, para efeitos de transmissão da titularidade do direito, o valor assim determinado não tem que corresponder necessariamente ao valor da parte alíquota que é objeto do direito de preferência. Por várias razões, o valor de parte especificada da coisa pode não equivaler ao valor de mercado de uma parte indeterminada da mesma coisa. Assim, o proprietário não tem liberdade para decidir qual a fração ideal que pretende alienar ( v. g. um terço, um quarto, etc.), como não pode atribuir a esta parte o valor patrimonial que melhor convier aos seus interesses. Temos, por fim, limites à faculdade de gozo, sem concurso da vontade livre e efetiva dos proprietários comuns. A aquisição pelo arrendatário de fração ideal do prédio parcialmente arrendado não o priva do gozo exclusivo de parte do imóvel [alínea b) do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil], contrariamente ao que resulta das regras da compropriedade. Com efeito, a afetação ao preferente do “uso exclusivo” da parte especificado do prédio – a correspondente ao locado – implica divisão material do gozo do prédio, com con- sequente afastamento da regra do exercício «em conjunto» no que concerne à totalidade do prédio (artigo 1405.º, n.º 1, do Código Civil). Não obstante a indeterminação da quota ideal, que se reflete naquela regra, a lei atribui ao preferente o uso direto de parte especificada, sem acordo unânime dos consortes. A referida tríade de restrições ao direito de propriedade – proibição de dispor da totalidade do prédio, compropriedade forçada e afetação do uso exclusivo – comporta intervenção na liberdade de atuação e no direito à autodisposição do proprietário e não simplesmente na reserva que a lei lhe faz do prédio. Daí que a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil não atenta apenas contra a liberdade de escolher o cocontratante, contende com outras liberdades incluídas no direito de dispor, designadamente a liberdade de dispor ou não dispor e a liberdade de determinar as condições da transmissão. Não pode, na verdade, deixar de concluir-se pela existência de forte restrição ao direito de transmissão, no sentido restrito de direito de não ser impedido de transmitir o prédio. Está-se perante limitações significativas ao direito fundamental de propriedade privada: o proprietário corre o risco de ficar impedido de vender a coisa na sua integralidade, como pretendia e tinha, aliás, acordado; concomitantemente, corre o risco de, contra a sua vontade, se ver obrigado a vender parte da coisa (não tendo sido constituída propriedade horizontal, o prédio constitui uma única coisa); e os comproprietários ficam privados, sem o respetivo consentimento, do uso de parte da coisa comum a que têm direito. E sendo isto assim, uma conclusão se pode tirar: a afetação do direito à liberdade jurídica do proprie- tário, singular ou comum, pode causar prejuízos apreciáveis. Não obstante a lógica da preferência assentar precisamente na ideia de que a substituição do contraente projetado pelo preferente não deve causar prejuízo ao obrigado à preferência, a verdade é que o exercício do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º é suscetível de interferir negativamente no ativo patrimonial do proprietário. Desde logo, porque não é provável que o comprador aceite continuar a comprar um imóvel cuja propriedade não vai adquirir ple- namente, sendo mais provável que desista do negócio, ficando o arrendatário comproprietário do senhorio; depois, porque, além de correr o risco de não conseguir vender a quota-parte remanescente, não há nenhuma
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