TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o obrigado e o terceiro). E mais: sendo o direito de preferência exercido, não pode o obrigado desistir do negócio, sendo-lhe imposto o preferente como contraparte contratual. É que, a partir do momento em que o preferente declara ao sujeito passivo que quer exercer o seu direito, surge por efeito dessa declaração um dever de contratar com o preferente. Como refere Henrique Mesquita, antes da declaração do preferente existe «um direito de natureza potestativa, de cujo exercício, traduzido numa declaração de vontade do respetivo titular, dirigida ao sujeito vinculado à preferência, nasce uma nova obrigação a cargo deste – a obrigação de realizar o contrato de alienação com o preferente» ( ob. cit. , pp. 212 e 213). Naturalmente que, tratando-se de um dever de contratar com o preferente, este dispõe de um direito potestativo que corresponde a uma verda- deira execução específica de modo a ficar, por decisão judicial, titular do direito de propriedade sobre a coisa. À parte a limitação quanto à livre escolha da contraparte, o direito de preferência em nada afeta a posi- ção subjetiva do proprietário. O obrigado tem inteira liberdade para dispor da coisa objeto de preferência, nos termos que bem entender – nomeadamente, quanto ao preço e às condições de pagamento – e à partida é-lhe indiferente, em termos económicos, vender a coisa ao preferente ou a qualquer terceiro. É certo que a preferência constitui oneração da propriedade e, do ponto de vista do alienante, pode ter relevância a maior ou menor solvabilidade financeira do preferente-comprador. No entanto, excetuando a restrição à liberdade de escolha da contraparte e os custos económicos, maiores ou menores, que lhe estão associados, o direito de preferência não limita de nenhum outro modo a posição jurídica do proprietário. Assim sendo, o direito de preferência do arrendatário não constitui obstáculo ao exercício do direito de propriedade. O senhorio não deixa de ter a faculdade de transmitir a titularidade do locado, ficando apenas limitado quanto ao modo pelo qual o pode fazer. Ainda que a eficácia limitativa da liberdade seja forte, dada a eficácia real ( erga omnes ) de que goza o direito de preferência legal, o direito a transmitir não é afetado, pois o negócio não deixa de ser celebrado, em igualdade de circunstâncias, com parte diferente da primitivamente pensada. Daí que o Tribunal tenha entendido que “o estabelecimento na lei de direitos de preferência não afeta, só por si, o conteúdo constitucionalmente reconhecido ao direito de propriedade em qualquer das suas dimensões”. Considerando que estava em causa a “liberdade de escolha da outra parte do negócio” e não “a liberdade de alienação”, considerou-se que a lei pode limitar tal liberdade, designadamente através da atri- buição de um direito de preferência, “em atenção à necessidade de proteção de outro tipo de interesses”, sem que isso viole o disposto no artigo 62.º da Constituição (Acórdão n.º 225/00). 17. Ora, no que especialmente respeita ao direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, as limitações aí previstas não se reduzem à faculdade de escolher livremente a pessoa com quem poderá ser realizado o negócio. O reconhecimento do direito de preferência ao arrendatário de parte de pré- dio não constituído em propriedade horizontal tem outras implicações na esfera jurídica do senhorio: (i) fica impedido de transmitir a terceiros a totalidade do prédio; (ii) com a declaração de preferência, fica obrigado a transmitir ao arrendatário a quota-parte ideal do prédio correspondente à permilagem do locado; (iii) não pode estipular livremente o preço do local arrendado; (iv) vê extinto o contrato de arrendamento; (v) com a subsequente afetação ao preferente do “uso exclusivo” da parte do prédio correspondente ao local arrendado. A liberdade do proprietário vender ou dar em cumprimento o prédio parcialmente arrendado está duplamente limitada: na vertente positiva, porque se quiser vender a totalidade do prédio não pode fazê-lo; na vertente negativa, porque se não quiser vender a quota-ideal, está obrigado a vendê-la ao preferente. Ou seja, após o senhorio decidir vender e o preferente decidir exercer o direito, o princípio de que ninguém é obrigado a contratar ou a deixar de contratar encontra aqui forte restrição: por um lado, impede-se o pro- prietário de celebrar o negócio que planeara, vendendo o prédio na sua totalidade; por outro, obriga-se o proprietário a celebrar um negócio que não pretende celebrar, vendendo quota-parte do direito de proprie- dade incidente sobre o mesmo. É certo que até pode acabar por vender o prédio na totalidade, se encontrar comprador interessado na quota-parte não alienada ao preferente. A realização de tal negócio não lhe é, porém, assegurada, constituindo uma mera eventualidade. De todo o modo, o contrato com o preferente
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