TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
113 acórdão n.º 299/20 facto do direito de propriedade estar reservado apenas a farmacêuticos (Acórdão n.º 187/01); de igual modo, a alienação forçada de “partes sociais” a acionistas maioritários justificou-se por ter por objeto “propriedade corporativa”, incindivelmente ligada à organização ou ente social (Acórdão n.º 491/02). Em ambos os casos, as limitações ao direito de transmissão dependem diretamente da natureza e extensão do direito do transmi- tente e não de restrições à autonomia negocial do proprietário. Por sua vez, há limitações que relevam do domínio contratual que se repercutem no âmbito dos pode- res de disposição do proprietário, mas que não afetam a liberdade genérica de transmissão. Por exemplo, a impossibilidade de se doar gratificações aos empregados das mesas de jogo dos casinos resulta da regra de proibição de perceção individual de quaisquer quantias e não de uma qualidade do gratificante (Acórdão n.º 497/97. Neste caso, chamado de “indisponibilidade relativa”, a restrição do poder de disposição não resulta de uma qualidade do disponente em si, mas da posição em que ele se encontra perante outros sujeitos. Porém, as limitações e restrições à faculdade de disposição da propriedade, desde as que afetam a liber- dade de contratar até às que respeitam à liberdade de estipulação do contrato, devem salvaguardar uma área de autodeterminação dos proprietários no trato privado. A autonomia – e o próprio negócio jurídico – cessa- rão se o peso imperativo das normas que determinam o conteúdo e limites da propriedade eliminar o espaço autónomo de liberdade que se reputa valor fundamental. Por isso, os limites postos aos movimentos que o titular faça para dispor da própria coisa entram no domínio da tutela da personalidade e liberdade do sujeito, e não do seu interesse em servir-se da coisa dentro de certos limites. É o que acontece com as limitações ao direito de não ser impedido de transmitir a propriedade, que não são nada mais, nada menos do que a faceta negativa (de abstenção) da obrigação de respeito do direito à liberdade de cada um. 16. O direito legal de preferência do arrendatário constitui um limite ao direito de propriedade do senhorio: ao fazer nascer para o senhorio a obrigação de dar possibilidade ao arrendatário de exercer direito de preferência na transmissão onerosa do local arrendado, está-se a impor limites à liberdade de escolha do outro contraente. Observada na sua estrutura subjetiva, a relação de preferência é constituída por um sujeito ativo – prefe- rente – que adquire, com afastamento de outro adquirente, e nas mesmas condições acordadas com este, um direito relativo a uma coisa, e por um sujeito passivo – titular do direito sobre a coisa a transmitir –, obrigado a dar preferência a certa pessoa em detrimento de outra. Assim, o titular do direito real, caso pretenda reali- zar negócio jurídico que origina prelação (em geral, compra e venda ou dação em pagamento), é obrigado a comunicar o projeto negocial ao preferente, a fim de que este decida se pretende ou não preferir. Pelas regras dos artigos 416.º a 418.º do Código Civil, a relação que se estabelece entre o obrigado à pre- ferência e o preferente desenvolve-se do seguinte modo: (i) o obrigado à preferência, tendo intenção de vender a coisa objeto do direito de preferência, comunica ao preferente o projeto de venda e as cláusulas do contrato que pretende celebrar com terceiro; (ii) recebida a comunicação, o preferente tem um prazo para manifestar a vontade de comprar a coisa, nas mesmas condições em que o negócio se faria com o terceiro, encontrando-se o obrigado impedido de vender a coisa ao terceiro enquanto não se esgotar aquele prazo; (iii) exercida a prefe- rência – e esta conclusão é segura no casos dos direitos legais de preferência –, circunstância que determina a constituição de um direito potestativo de preferir, impõe-se sobre o sujeito passivo da preferência a obrigação de contratar com o preferente e, do mesmo modo, este fica obrigado a contratar com aquele. Como se vê, o direito de preferência constitui limite à liberdade contratual do indivíduo a ela vinculado, mais precisamente à liberdade de escolher a parte com quem pretende contratar. Embora o proprietário possa sempre entabular negociações com quem lhe aprouver, encontra-se, após notificar o preferente e enquanto a preferência puder legalmente ser exercida, num estado de sujeição relativamente a este último. Cabe ao preferente, com inteira autonomia, decidir se pretende ou não ocupar a posição do comprador no contrato de compra e venda que o obrigado pretende celebrar, e precisamente nos termos em que este o pretende celebrar (ressalvando-se, no artigo 418.º, a eventualidade de terem sido acordadas prestações acessórias entre
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