TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
110 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sociais e culturais”, alguma dimensão terá ele que permita a sua inclusão, pelo menos parcial, nos clássicos direitos de defesa, ou para usar a terminologia da CRP, em alguma da sua dimensão será ele análogo aos chamados direitos, liberdades e garantias» (Acórdão n.º 421/09 e jurisprudência aí citada). De facto, desde há muito que é consensual na doutrina e na jurisprudência a qualificação do direito de propriedade privada como direito, liberdade e garantia de natureza análoga. Mas também é pacífico que o direito fundamental de propriedade não abrange todos e quaisquer poderes e faculdades de uso, fruição e dis- posição dos bens, mas apenas aquelas dimensões que sejam essenciais à realização da autonomia do homem com pessoa. Nesse sentido, Luís Cabral de Moncada refere que «existe efetivamente uma barreira subjetiva da propriedade privada verdadeiramente indestrutível, composta por um conjunto de poderes e faculdades sobre bens que se afiguram indispensáveis ao livre desenvolvimento da personalidade humana» ( Direito Eco- nómico, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 155). Ora, é apenas a essas dimensões análogas que se aplica, nos termos do artigo 17.º da Constituição, o regime dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente quanto aos requisitos a que se sujeitam as leis que os restrinjam, contidos no artigo 18.º. Como se diz no Acórdão n.º 425/00, «embora seja indiscutível que o direito de propriedade, no seu núcleo essencial, é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, as condições constitucionalmente exigidas para as leis restritivas apenas valem nesse domínio na dimensão em que o direito tiver essa natureza análoga». A dificuldade está, porém, em encontrar o critério à luz do qual se possa determinar que dimensões do direito constitucional de propriedade privada devem beneficiar do regime específico dos direitos, liber- dades e garantias. A orientação que tem vindo a ser seguida é a de limitar a natureza análoga às dimensões que consubstanciem «aquele “radical subjetivo” que o aproxima dos direitos fundamentais subjetivos de tipo clássico, negativos, diretamente invocáveis» (Parecer n.º 32/82 da Comissão Constitucional); «que são verdadeiramente significativas e determinantes da sua caracterização como garantia constitucional» (Acór- dãos n. os 404/87, 194/89 e 195/89); que sejam «essenciais à realização do Homem como pessoa» (Acórdãos n. os 329/99 e 187/01); ou que se mostrem indispensáveis à conceção do direito de propriedade como garantia de “espaço de autonomia pessoal” (Acórdão n.º 374/03). Desse núcleo, dessa dimensão que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, faz, segura- mente, parte o «direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública – e, ainda assim, tão-só mediante o pagamento de justa indeminização» (Acórdãos n. os 329/99, 377/99, 517/99, 187/01, 159/07 e 421/09). Na verdade, a dimensão de proteção contra a privação da propriedade – ínsita nos n. os 1 e 2 artigo 62.º da CRP, relativamente à requisição e à expropriação, mas que também pode abranger outros atos ablativos (Acórdãos n. os 391/02, 491/02 e 159/07) – não pode deixar de integrar o con- teúdo da propriedade que o legislador não pode desvirtuar, sob pena de não respeitar o mínimo da liberdade de apropriação que permita o desenvolvimento da personalidade individual. A garantia de permanência da propriedade não é, porém, a única dimensão do direito constitucional de propriedade a que poderá ser reconhecida natureza análoga a direitos, liberdades e garantias. Apesar do direito à justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62.º, ser a única dimensão a que o Tribunal tem reconhecido natureza análoga, «outras dimensões do direito de propriedade, essenciais à realização do Homem como pessoa (…), podem, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga à dos direitos, liberda- des e garantias» – como se disse no Acórdão n.º 187/01. Assim, os poderes e faculdades que sejam essenciais à garantia de um “espaço de autonomia pessoal” (Acórdão n.º 374/03) justificam a respetiva qualificação como direitos, liberdades e garantias de natureza análoga. A efetividade dessa garantia não pode estar na dependência da intervenção do legislador, já que não se deve «perder de vista que a dependência de lei que caracteriza a propriedade não significa que a própria proteção constitucional da propriedade fique refém da lei. Por isso, nem todas as intervenções do legisla- dor em matéria de concretização do conteúdo dos direitos patrimoniais são simples determinações do seu conteúdo, podendo ocorrer verdadeiras restrições, que assim ficam sujeitas ao regime mais exigente das leis restritivas» (Rui Medeiros, ob. cit., p. 1257).
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