TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL submetida a limites explícitos noutros normativos constitucionais, mas também a limites não expressos, “decorrentes de outras regras e princípios constitucionais, que vão desde os princípios gerais da constituição económica e financeira (entre os quais as obrigações fiscais: art.º 103.º), até aos direitos sociais (defesas do ambiente, do património cultural, etc.)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 802). É certo que o enunciado normativo do artigo 62.º não prevê a possibilidade genérica de intervenção res- tritiva do legislador para salvaguarda do interesse geral, nem contém sequer explícita reserva de lei restritiva. Apenas em domínios específicos a Constituição prevê expressamente que os atos de ablação da propriedade devem observar os pressupostos e requisitos fixados na lei (artigos 62.º, n.º 1, 65.º, n.º 4, 83.º e 88.º). Tal não significa, porém, que a outras formas de privação da propriedade e às demais restrições ao direito de propriedade, ainda que não expressamente mencionadas, não seja aplicável o regime próprio das restrições, definido no artigo 18.º da Constituição. Como se refere no Acórdão n.º 421/09, independentemente da questão de saber qual o sentido que, em geral, deve ser conferido ao segmento inicial do n.º 2 do artigo 18.º, «parece certo, antes do mais, que a autorização constitucional para restringir se não identifica com neces- sidade de referência textual explícita a um certo e determinado instituto a adotar pelo legislador ordinário, referência essa que teria que constar do articulado da CRP. Como nenhuma constituição é apenas um texto, a autorização que a Constituição portuguesa confere para que um determinado direito venha a ser, por lei, restringido, não pode ser entendida, assim, nesses apertados termos, como uma exigência de textualidade». A colocação sistemática do direito constitucional de propriedade no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais e a proteção “nos termos da Constituição” acentuam considerações objetivas que contri- buem para a definição do seu conteúdo e limites. Com efeito, o âmbito de proteção daqueles direitos fun- damentais acolhe valores e interesses sociais que devem ser ponderados quando em confronto com o direito de propriedade privada, como acontece como o direito à habitação (artigo 65.º) e o direito ao ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º), assim como com os diversos regimes específicos de propriedade que a Cons- tituição recorta em função da individualidade e destinação do respetivo objeto (artigos 65.º, n.º 4, 88.º, 94.º, 95.º e 96.º), que preveem restrições que encontram justificação na aptidão da propriedade para a prossecução de interesses sociais. De modo que, tal como os demais direitos fundamentais, o direito de propriedade pode ser restringido por «razões sociais», nos termos que relevam do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, ou seja, por razões de importância constitucional. O que está vedado são intervenções legislativas restritivas do direito de pro- priedade, tendo em vista a prossecução de valores e interesses que não gozem, também eles, de proteção da Constituição. A dependência do direito de propriedade de um enquadramento social vinculativo é constante na juris- prudência do Tribunal Constitucional, que admite restrições ao direito de propriedade baseadas na “cláusula legal de conformação social da propriedade”, mas sem que tal dispense a invocação dos parâmetros constitu- cionais que acolhem os interesses que lhe subjazem (Acórdãos n. os 76/85, 486/97, 194/99, 329/99, 322/00, 138/03 e 148/05). Nesse sentido, diz-se no Acórdão n.º 421/09: «[A]pesar de a redação literal do preceito constitucional não conter, como é frequente em direito comparado, uma referência expressa às funções que a lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do con- teúdo e limites da “propriedade”, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão para a lei se deve considerar implícita na “ordem de regulação” que é endereçada ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, portanto, substancialmente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da Constituição espanhola (“É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as leis.”); no artigo 42.º da Constitui- ção italiana (“A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina o seu modo de aquisição, gozo e limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)”; no artigo 14.º da Lei Fundamental de Bona (“A
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