TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a parte arrendada ou sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo prédio (interpreta- ção correspondente à “teoria do local”). Em ambos os arestos o Tribunal proferiu um julgamento de não inconstitucionalidade. No Acórdão n.º 225/00 considerou-se que o direito de preferência sobre a totalidade de prédio indiviso não põe em causa a liberdade de alienação, mas apenas a liberdade de escolha da outra parte no negócio e que a limitação da liberdade de escolha do contratante não é arbitrária ou materialmente infundada. Considerou- -se que o direito a transmitir a propriedade não é afectado, porque «o estabelecimento de um direito de preferência não obriga o proprietário a vender, nem o impede de vender, mas apenas o obriga a, caso decida vender, atribuir preferência nessa alienação, em igualdade de circunstâncias, ao arrendatário do prédio. Em causa não está a liberdade de alienação, mas apenas a liberdade de escolha da outra parte no negócio, que pode efetivamente ver-se limitada pela lei ordinária, através da atribuição de um direito de preferência, em atenção à necessidade de proteção de outro tipo de interesses, sem que com isso se viole o disposto no artigo 62.º da Constituição (…). É que, não lhe é retirado o direito de alienar parte do prédio ou a sua totalidade, mas apenas se lhe impõe que, tanto por tanto, venda ao arrendatário». Por sua vez, no Acórdão n.º 583/16 – apreciando a constitucionalidade de norma de conteúdo idêntico, mas agora colocada na perspetiva inversa, ou seja, inadmissibilidade do direito de preferência exercido pelo arrendatário de parte não autonomizada na venda da totalidade do prédio – o Tribunal considerou, além do mais, que (i) não há violação do direito à habitação, previsto no artigo 65.º, n. os 1 e 3, da CRP, porque  não se pode extrair desse preceito «a exigência imperativa de que uma das vias de realização do direito à habitação seja a da previsão legislativa de aquisição, através do direito de preferência, em termos gerais, a quem já dispõe de uma habitação arrendada, do direito de propriedade sobre um bem imóvel que exceda o locado»; e que (ii) não há restrição desproporcionada ao direito de acesso à propriedade, quer porque «tal direito não existe com a pretendida configuração (enquanto direito fundamental previsto na Constituição), pelo que afastado está que tenha sido desproporcionadamente restringido, quer porque «o direito à habitação não se confunde com o direito de propriedade e não tem que se realizar necessariamente (em geral e, especialmente, em hipóteses como a dos presentes autos) por via do direito de propriedade, que, manifestamente, não está em causa». Destes Acórdãos ressai a ideia de “neutralidade da Constituição” quanto à exigência da coincidência entre os limites do objeto do arrendamento e os limites do objeto em relação ao qual se exerce a preferência. Não existe uma imposição constitucional da teoria expansionista ou da teoria do local, gozando assim o legislador de ampla margem de conformação do direito à habitação e do conteúdo e limites do direito de propriedade. E daí que a opção por se estender ou não o direito de preferência do arrendatário para além da dimensão física do local arrendado dependa do equilíbrio de interesses que o legislador pretenda salvaguardar com a atribuição do direito de preferência. Não obstante no presente processo também estar em causa o direito de preferência do arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, a questão de direito a resolver não é idêntica à que foi considerada naqueles Acórdãos. O direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil – a norma que constitui o objeto material do recurso – contém pressupostos substancialmente diversos do direito de preferência que é atribuído pela alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo – a norma que naqueles Acórdãos não foi julgada inconstitucional. É evidente que há semelhança quanto ao objeto do direito que suporta a preferência – o local arrendado -, mas são diversos o objeto da preferência e o direito a adquirir pelo arrendatário. Nos casos decididos naqueles Acórdãos, que consideraram constitucionalmente irrelevante a maior ou menor extensão espacial do objeto da preferência, a admissibilidade da preferência facultava ao arrendatário a aquisição, em paridade de condições, da propriedade plena do local arrendado; já a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º possibilita a aquisição da quota-parte do prédio correspon- dente à permilagem do local e o uso exclusivo do local arrendado.

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