TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
105 acórdão n.º 299/20 propriedade horizontal». Como o “local arrendado” está integrado num prédio não constituído em proprie- dade horizontal, sobre esse local não pode incidir um direito de propriedade autónomo, cindível daquele outro, mais abrangente, que tem por objeto o prédio na sua globalidade. Num prédio em propriedade horizontal, o arrendatário apenas tem direito de preferência na alienação da fração autónoma por si arrendada e não na alienação de outras frações autónomas do mesmo prédio pertencentes ao senhorio. Porém, o problema é bem diferente quando não existe autonomização jurídica do local arrendado, dado não haver propriedade horizontal. Neste caso, até à entrada em vigor da norma sub juditio , perguntava-se se o direito de preferência podia impor-se além dos limites físicos do local arrendado, ou, antes, se deveria coincidir com o objeto do direito preexistente que o justifica. O que estava em causa era saber qual o alcance do conceito “local arrendado”, referido no artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) , para efeitos do reconhecimento do direito de preferência ao arrendatário: devia ser interpretado no sentido de “limites físicos” do local arrendado ou no sentido de “prédio arrendado”? A resposta à questão foi bastante controversa no domínio da vigência do artigo 47.º da RAU, e não parece que tenha ficado resolvida pelo artigo 1091.º do Código Civil, introduzido pelo NRAU, apesar da diferente redação do preceito. Perante a incerteza do sentido normativo daquele preceito da RAU, que, no n.º 1, substituiu a expressão “prédio arrendado” do direito anterior por “local arrendado” e passou a identifi- car o sujeito da preferência como sendo o arrendatário de prédio urbano ou de fração autónoma, e no n.º 2, mandava abrir licitações, na hipótese de os preferentes serem dois ou mais arrendatários, sufragaram-se duas teses acerca do objeto da preferência do arrendatário: a teoria do local e a teoria expansionista. A teoria do local afirmava que, em caso de transmissão onerosa do locado, o arrendatário só podia pro- ferir na aquisição do local objeto do contrato de arrendamento. Assim, «ou o direito de preferência se pode exercer apenas em relação ao local arrendado, o que supõe a autonomização jurídica deste, ou o seu exercí- cio é impossível». Por isso, entendia-se que «a preferência só operava perante o concreto “local arrendado”, ficando afastada caso tal local não pudesse ser autonomamente transacionado» (Oliveira Ascensão, “Direito de preferência do arrendatário”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocência Galvão Teles , Vol. III, Coimbra, 2002, pp. 254 e seguintes). Em sentido oposto, a teoria expansionista defendia que, no caso «de a alienação projetada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os coarrendatários das partes do mesmo imóvel, cujo contrato perdure há mais de um ano». Portanto, a preferência, a ser exercida pelo arrendatário, não incidia sobre a parte do prédio que era objeto de locação – na medida em que não foi juridicamente autonomizado -, mas sobre a totalidade do prédio (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. , Vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 1987, p. 568). Porém, nenhuma das referidas alternativas – teoria do local ou teoria expansionista – admitia que o direito de preferência do arrendatário pudesse incidir isoladamente sobre fração de prédio não constituído em propriedade horizontal – o “local arrendado”. E para o ponto que nos interessa, importa sublinhar que o equilíbrio de interesses característico da relação de preferência ficava sempre salvaguardado, qualquer que fosse a resposta a dar a esse problema. É que a prioridade do preferente em detrimento do terceiro seria sem- pre exercida em paridade com as condições negociadas entre o vinculado à preferência e esse terceiro, pois a falta de coincidência entre os limites do objeto arrendado e os limites do objeto a adquirir através do exercí- cio do direito de preferência não impediria a celebração de contrato de natureza e objeto idêntico àquele que o vinculado à preferência decidisse celebrar com terceiro. 11. Sobre esta questão pronunciaram-se dois arestos do Tribunal Constitucional: o Acórdão n.º 225/00 e o Acórdão n.º 583/16. No primeiro, os proprietários invocaram a inconstitucionalidade, por violação do artigo 62.º da Constituição, do artigo 47.º do RAU, quando interpretado em termos de o arrendatário de parte de pré- dio não constituído em propriedade horizontal ter direito de preferência na alienação da totalidade do prédio (interpretação condizente com a “teoria expansionista); no segundo, os arrendatários invocaram a
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