TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL condições, mas sim no sentido de prioridade, referida a dois direitos diferentes, a exercer em absoluta dispa- ridade de condições. 9. Para além disso, o direito de compropriedade atribuído no n.º 8 do artigo 1091.º ao arrendatá- rio habitacional de parte de prédio não sujeito a propriedade horizontal não encontra correspondência no regime de compropriedade previsto nos artigos 1403.º a 1413.º do Código Civil. Com efeito, a alínea b) daquele número determina que a aquisição da quota-parte ideal confere ao preferente o uso exclusivo da parte do prédio correspondente ao locado, quando os comproprietários não têm “posse exclusiva” de parte especificada da coisa comum. A natureza jurídica da compropriedade é explicada através de várias teorias: (i) vários direitos idênticos sobre quotas-partes da coisa idealmente considerada; (ii) um único direito fracionado em quotas homogé- neas, cabendo a cada consorte não uma quota ideal da coisa, mas uma quota ideal do direito; (iii) um direito de cada consorte sobre toda a coisa, limitado no seu exercício pelos direitos idênticos dos outros consortes: (iv) um único direito sobre a totalidade do objeto, direito que se encabeça na coletividade dos contitulares ou num sujeito novo (pessoa jurídica), constituído por esses mesmos consortes (Mota Pinto, Direitos Reais , Almedina, 1976, pp. 254 e seguintes). Porém, seja qual for a conceção que se possa ter no plano doutrinal ou qual a solução indicada pelos preceitos do Código Civil reguladores do instituto da compropriedade, certo é que nenhum dos consortes tem o domínio exclusivo sobre todo ou parte especificada do imóvel, pois cada um deles é apenas titular de uma quota ideal que não se confunde abstratamente com as quotas ideais dos outros. Os comproprietários têm igual direito de utilização da coisa comum, não atribuindo o uso da coisa comum posse exclusiva a nenhum deles (artigo 1406.º, n. os 1 e 2). Em princípio, é a quota-parte ideal que exprime a medida de parti- cipação do comproprietário no objeto de domínio (artigo 1403.º, n.º 2). O interesse do consorte em fruir a coisa comum e dela dispor, quando precise, está sempre limitado pela respetiva quota-parte. Não obstante o exercício «em conjunto» dos poderes de administração da totalidade da coisa (1405.º, n.º 1) ou a intervenção coletiva de todos os contitulares para disposição ou oneração de parte especificada (1408.º, n.º 1), justifi- cados pela indeterminação da quota-parte, a utilização do prédio que dá segurança económica ao consorte restringe-se à medida da quota: é na proporção da quota que comparticipa nas vantagens e nos encargos da coisa comum; pode concretizar a quota a qualquer momento, pondo fim à communio pro indiviso ; e a dispo- sição ou oneração de toda a quota ou parte dela só depende da sua vontade. Ora, a solução consagrada no n.º 8 do artigo 1091.º afasta-se deste regime, porque afeta parte especificada da coisa comum ao uso exclusivo do preferente, privando os demais consortes do uso a que igualmente têm direito. Para promover a estabilidade na habitação, a lei faz a distinção entre titularidade [alínea a) do n.º 8] e uso ou afetação prática do local arrendado [alínea b) do n.º 8], permitindo desse modo que parte especificada da coisa comum seja destinado ao uso de um só dos consortes. A divisão material do gozo imediato da coisa comum é, porém, feita sem acordo maioritário dos restantes comproprietários e sem lhes facultar a possibili- dade de igualmente se servirem dela. Quer isto dizer que a atribuição legal do uso exclusivo da parte do prédio correspondente ao locado pressupõe a extinção da relação locatícia. Na verdade, sem a previsão dessa faculdade, a preferência na aqui- sição pelo arrendatário de uma fração ideal do prédio não implicaria a cessação imediata do contrato de arrendamento. Se o comproprietário pode utilizar a coisa comum, certo é que do artigo 1406.º, n.º 1, resulta que não pode privar os demais consortes de igual direito. Por isso, o preferente, na qualidade de novo com- proprietário, não poderia prescindir do arrendamento para continuar a beneficiar em exclusivo da parte do prédio correspondente ao locado (Agostinho Cardoso Guedes, ob., cit. p. 181, e Maria Olinda Garcia, O Arrendamento Plural. Quadro Normativo e Natureza Jurídica, Coimbra Editora, p. 161). 10. O factor determinativo da forma como o arrendatário exerce o direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º é a circunstância do arrendamento incidir sobre «parte de prédio não constituído em
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