TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das cidades, evitando que os proprietários ou os promotores imobiliários pressionem os locatários de recurso modestos ou de idade avançada a abandonarem os prédios” (Agostinho Cardoso Guedes, ob. cit., p. 74). 8. O n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil estabelece que no caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência em termos idênticos ao do arrendatário de fração autónoma, com as seguintes con- dições: (i) o direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; (ii) a aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. O âmbito aplicativo da preferência atribuída por este preceito é formado por arrendamentos parciais destinados a fins habitacionais: os arrendamentos devem ter por objeto parte delimitada de determinado imóvel juridicamente não autonomizada; e devem destinar-se à habitação do arrendatário. Trata-se de um direito legal de preferência que se distancia da solução constante da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo 1091.º, que abrange arrendamentos destinados a diferentes finalidades – habitacionais ou não habitacionais –, e exclui do seu âmbito os arrendamentos parciais. O decreto que inicialmente resultou da iniciativa legislativa que esteve na base da Lei n.º 64/2018 – Decreto da Assembleia da República n.º 233/XIII – previa a aplicação do regime especial de preferência pre- visto no n.º 8 do artigo 1091.º aos arrendamentos para outros fins, designadamente comerciais e industriais. Porém, foi objeto de veto político do Presidente da República, com alerta de que «a proteção do direito à habitação, justificação cimeira do novo regime legal, tem cabimento no caso de o arrendamento ser para tal uso, mas não se for para uso empresarial». Na sequência do veto, foi então aprovada a Lei n.º 64/2018, que introduziu no artigo 1091.º do Código Civil a norma que limita expressamente a sua aplicação aos casos de arrendamento para fins habitacionais, confirmando assim que a ratio da medida se prende com a proteção do interesse do arrendatário em manter o gozo do imóvel destinado à sua habitação. Não obstante a preferência incidir sobre prédio não constituído em propriedade horizontal, diz a lei que o arrendatário tem direito de preferência «nos mesmos termos» previstos para o arrendatário de fração autónoma. A identidade que a fórmula legal denota, no que se refere aos pressupostos do direito de preferên- cia, tem por alvo a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091º: «na compra e venda ou na dação em cum- primento do local arrendado há mais de dois anos». Os “mesmos termos” traduz, assim, identidade quanto ao tipo de contrato objeto de preferência – compra e venda e dação em pagamento – e quanto ao requisito temporal – mais de dois anos de arrendatário. Mas também se questiona se a identidade dos dois tipos de preferência – a do arrendatário de fração autónoma e a do arrendatário de parte de prédio indiviso – não traduz a exigência de que o prédio onde se situa o «local arrendado» reúna, de forma cumulativa, todos os requisitos impostos no artigo 1415.º do Código Civil e nas leis administrativas para poder ser constituído em propriedade horizontal. Na verdade, se a ratio da preferência se prende com a proteção do acesso à habitação própria, a circunstância de o prédio se encontrar em condições de ser juridicamente autonomizado, ou seja, composto por unidades independentes e isoladas entre si, com saída própria para parte comum do prédio ou para a via pública, é fator determinativo da forma como o arrendatário pode adquirir a propriedade plena da habitação através do exercício do direito de preferência. É que, se o local arrendado não for passível de individualização jurídica, sobre ele não pode incidir jus in re (artigo 408.º, n.º 2, do Código Civil), uma vez que só após a constituição da propriedade horizontal (que não existe enquanto não houver apartamento) é que o arrendatário pode tornar-se proprie- tário exclusivo do local arrendado. Os dois direitos de preferência têm em comum, é certo, o tipo de contrato por eles abrangido, o requi- sito temporal da relação de preferência e a individualização física dos prédios objeto do contrato. Todavia, essas semelhanças não prejudicam as diferenças substanciais que existem quanto ao objeto da preferência e quanto ao direito a adquirir pelo arrendatário preferente. O direito de preferência previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º é atribuído ao arrendatário «sem prejuízo do previsto nos números seguintes». Só que
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