TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

97 acórdão n.º 49/20 Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/00, referidas pelo recorrente nas suas alegações: «[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclu- sivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus des- tinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.» Em termos gerais, pois, e ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, as leis interpretativas devem ter- -se por abrangidas pela proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal. Só assim não será naqueles casos em que, tendo os tribunais sido chamados a pronunciarem-se sobre a interpretação a dar a leis ambíguas e controvertidas, se tenha a propósito delas estabelecido uma controvérsia jurisprudencial. Se os tribunais, aos quais cabe a autoridade de dizer o direito – através de decisões juridicamente fundamentadas e no termo de um processo de partes com igualdade de armas -, refletem e alimentam a controvérsia propiciada pela ambiguidade da lei, é inevitável concluir que a questão jurídica é, no momento presente, incerta ou insanável; os destinatários desta não têm, nessas circunstâncias, qualquer razão para formarem expectativas na prevalência de uma das posições compreendidas nos «quadros da controvérsia», e não podem, por essa mesma razão, invocar a frustração das suas expectativas legítimas contra a decisão do legislador de interpretar a lei num dos sentidos já acolhidos em decisões judiciais. O mesmo se diga, por maioria de razão, nos casos em que a jurisprudência dominante for no sentido da solução consagrada pela lei interpretativa.» 8. Como decorre do Acórdão n.º 395/17, para que uma norma fiscal interpretativa seja constitucio- nalmente legítima, é necessário que a interpretação fixada não afronte o princípio da proteção da confiança. Bem pode acontecer que, ponderados os interesses em confronto, o sentido fixado pela norma interpretativa frustre, de forma intolerável, expectativas fundadas na realização jurisprudencial do direito. É que a solução imposta pela lei interpretativa pode afetar expectativas que se formaram com base em orientações e critérios que os tribunais emitiram na resolução de conflitos jurisprudenciais. É sabido que a realização jurispruden- cial do direito, sobretudo pelos tribunais superiores, cria “correntes jurisprudenciais” que são suscetíveis de despertar confiança no direito que interpretam e aplicam, em termos de a sua mudança poder afetar as expectativas de quem se condicionou por elas. Ora, os afetados pela exclusão dos critérios de aplicação da lei interpretada dominantes na jurisprudência podem merecer proteção constitucional quando, ponderada a confiança frustrada e o fim de interesse público prosseguido pela lei interpretativa, segundo um critério de proporcionalidade, se chegue a um resultado “arbitrário”, “inadmissível” ou “excessivamente oneroso”.     Resta por isso determinar se a solução, conscientemente interpretativa, imposta pela norma do n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC, contraria uma corrente dominante no sentido de que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à coleta das tributações autónomas. 9. A questão de saber se há lugar em sede de IRC à dedução à coleta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais – e de outras realidades tributárias, como o pagamento especial por conta – foi e continua a ser muito controversa no âmbito da jurisprudência arbitral. No que se refere aos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investi- gação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), a resposta àquela questão nunca foi uniforme, nem sequer se pode considerar que se formou uma «corrente dominante» num determinado sentido, em termos de despertar nos beneficiários expectativas merecedoras de proteção.

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