TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
94 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No Acórdão n.º 395/17, tendo o tribunal a quo entendido que não era de afastar a natureza interpre- tativa da norma impugnada, escreveu-se o seguinte: Tal juízo é insindicável pelo Tribunal Constitucional, na medida em que se situa exclusivamente no plano do direito ordinário. A única questão constitucional que a propósito dele se coloca é a de saber se, como alega a recorrente, as normas fiscais genuinamente interpretativas ‑ no sentido em que esse conceito é entendido na decisão recorrida -, na medida em que sejam ou possam ser desfavoráveis aos contribuintes, violam a proibição constitu- cional da retroatividade fiscal. Para responder a esta questão, é essencial determinar se as normas interpretativas são retroativas e, no caso de a conclusão ser afirmativa, se estão a coberto da previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Entendeu-se, assim, que a questão essencial, do ponto de vista constitucional, não é a de saber se uma determinada norma a que o legislador atribui natureza interpretativa é genuinamente interpretativa – juízo de qualificação que depende dos critérios, por norma definidos num contexto de direito ordinário, que se usem para esse efeito −, mas a de saber qual o alcance da proibição da retroatividade fiscal consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, mormente no que respeita a normas fiscais que o legislador qualifica como interpretativas. O aresto responde a tal questão nos seguintes termos: «8. Ao contrário do que é válido para a lei em geral, que em princípio «só dispõe para o futuro» (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil), o artigo 13.º do Código Civil estabelece que «[a] lei interpretativa integra-se na lei inter- pretada», no sentido de que deve ser considerada como se fizesse parte da lei interpretada desde que esta entrou em vigor. Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal – a ficção de que um facto presente (a entrada em vigor da lei interpretativa) ocorreu no passado (a entrada em vigor da lei interpretada). A retroatividade das normas interpretativas resulta dessa ficção. E é precisamente pelo facto de, através dessa ficção, atribuir eficácia retroativa às normas interpretativas, que o legislador sentiu a necessidade de acautelar – «ficando salvos» – uma série de efeitos já produzidos no momento em que a lei interpretativa entra em vigor, nomeadamente o «cumprimento da obriga- ção», a «sentença passada em julgado» e a «transação, ainda que não homologada». Não parece haver qualquer dúvida, pois, de que as normas interpretativas têm natureza retroativa (neste sen- tido, vide os Acórdãos n. os 374/92 e 216/15). Mas esta conclusão parece provar de mais. São autêntica ou verdadei- ramente interpretativas – e assim as entende, como se viu, o tribunal a quo – as normas que, perante a ambiguidade da lei interpretada e a incerteza quanto à sua aplicação, impõem ao intérprete um dos seus sentidos possíveis ou uma das posições compreendidas nos «quadros da controvérsia» que se estabeleceu a respeito da sua interpretação. A retroatividade decorre do facto de se ficcionar que essa imposição de sentido resultava já da lei interpretada, quando é exatamente a ambiguidade e controvertibilidade de sentido desta que justifica a intervenção interpreta- tiva do legislador. Ora, se é assim, se a interpretação legislativa de leis ambíguas e controvertidas – ou seja, de leis que admitem mais do que uma interpretação – é retroativa, parece ter de se concluir que também o são as decisões judiciais que se baseiam na interpretação e aplicação dessas leis, porque implicam igualmente a adoção, no momento presente, de um dos sentidos possíveis da lei. O problema está no facto de as propriedades das leis interpretativas com base nas quais se conclui que estas têm natureza retroativa serem propriedades de toda a interpretação das leis, pelo menos naqueles casos – sem dúvida numerosos – em que a lei interpretada é suscetível de mais do que uma interpretação. Esta conclusão suscita particular perplexidade no domínio fiscal, porque ao estabelecer que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos(…) que tenham natureza retroativa», o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, dirige a proibição da retroatividade não apenas ao legislador, mas a todos os poderes do Estado. Sucede que, sem prejuízo da identidade de conteúdo, é necessário distinguir a interpretação legislativa da inter- pretação judicial, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto ao seu processo.
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