TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

93 acórdão n.º 49/20 e “só assim não seria se esta solução fosse incompatível com normas de hierarquia superior, nomeadamente constitucionais”; mas, “entende este tribunal que não existe uma proibição constitucional genérica de leis fiscais interpretativas”. E após descrever as características fundamentais para que uma lei possa ser concebida como lei inter- pretativa – (i) haver uma questão controvertida ou incerta na lei em vigor; e (ii) o legislador consagrar uma solução interpretativa que resolve a incerteza a que chegaria o julgador com base no normativo anterior – o acórdão arbitral conclui o seguinte: «aplicando estes critérios à situação em apreço, somos levados a concluir que estamos, realmente, perante uma lei interpretativa. Na verdade, a matéria regulada pelo novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era controversa e incerta (tendo dado origem aos processos arbitrais elencados pela Requerente), correspondendo a solução consagrada a uma das interpretações plausíveis a que o julgador chegaria, como efetivamente chegou, por exemplo nas decisões arbitrais proferidas nos procs. 679 -2014-T e n.º 722/2015-T». Diferentemente, entende a recorrente que a norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC não é “verdadeira- mente interpretativa”, tal como afirma o artigo 135.º da LOE 2016; o legislador qualificou-a expressamente como interpretativa, mas trata-se de um “disfarce da retroatividade substancial dessa lei”, já que “vem criar uma solução inovadora quanto às deduções à coleta das tributações autónomas, retirando suporte legal a anteriores decisões jurisprudenciais nos termos das quais a coleta de IRC é enformada pelas tributações autó- nomas”; além de que o legislador não pode “neutralizar ou esvaziar o correspondente poder de controlo dos tribunais consagrado no artigo 204.º da Constituição, por via da afirmação, na qualidade de autor formal, de que a norma legal por si aprovada tem um alcance meramente declaratório ou clarificador e não inovador”. 7. A compatibilidade das normas interpretativas com o princípio da não retroatividade fiscal consignado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP foi apreciada recentemente pelo Tribunal Constitucional em Acórdãos que versam igualmente sobre o regime de «tributação autónoma» em IRC: (i) no Acórdão n.º 267/17, que julgou inconstitucional a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2ª parte do Código de IRC, – aditado pelo artigo 133.º da citada Lei – segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016; (ii) e no Acórdão n.º 395/17, que julgou inconstitucional o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.  No primeiro Acórdão, o tribunal a quo havia recusado aplicar, com efeito para o passado, a norma interpretativa, por entender que ela não o era em sentido «autêntico», era antes uma norma inovadora que se aplicava a factos anteriores. Inexistindo razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa introduzida pela LOE 2016, apesar do legislador a denominar interpretativa, e não devendo ser corrigida a interpretação da norma recusada aplicar por aquele tribunal, o Tribunal Consti- tucional julgou-a “substancialmente retroativa” e consequentemente abrangida pela cláusula proibitiva de retroatividade do artigo 103.º, n.º 3. Todavia, o critério que o Acórdão utilizou para qualificar a «retroatividade» da norma interpretativa foi o da natureza declarativa ou constitutiva da norma interpretativa: «[D]o ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído»; na medida em que deixam de ser admissíveis algumas interpretações jurisdicionais de certa norma legal, «a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrado pela lei nova não podem deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei ter um caráter substancial».

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