TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

87 acórdão n.º 49/20 lei nova a factos que não ocorreram totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continuando a formar na vigência da lei nova. LLL – Cumpre salientar, neste âmbito, e como bem nota o Tribunal Constitucional, no supra referido acórdão n.º 399/10, «A qualificação que a doutrina atribui a cada uma destas situações não é de todo convergente, verificando- -se, todavia, um certo consenso em considerar a primeira situação descrita como retroatividade autêntica (…). Em relação aos segundo e terceiro casos enunciados, há quem considere que ambas as situações se enquadram na retroatividade inautêntica, enquanto outros apenas incluem a segunda situação nesta categoria, defendendo que o terceiro caso já não se integra em qualquer tipo de retroatividade, mas sim na retrospetividade.» MMM – A jurisprudência deste Colendo Tribunal tem entendido que a retroatividade proibida pelo n.º 3 do art.º 103.º da CRP é a retroatividade própria ou autêntica, ou seja, que aquele preceito constitucional visa apenas proteger as situações que se traduzem na aplicação da lei nova a factos anteriores à sua entrada em vigor. NNN – Com efeito, considera o Tribunal Constitucional que «(…) Em suma, dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 retira-se, por um lado, que o legislador da revisão apenas pretendeu incluir, no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, a proibição da retroatividade autêntica, própria ou perfeita da lei fiscal, o que não é contrariado pela letra do preceito, uma vez que o texto constitucional apenas se refere à natureza retractiva tout court . Por outro lado, resulta igualmente dos trabalhos preparatórios, de forma cristalina, que não se pretenderam integrar no preceito as situações em que o facto tributário que a lei nova pretende regular não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes continuando a formar-se na vigência da lei nova, pelo menos, quando estão em causa impostos diretos relativos ao rendimento (…)». OOO – Resulta assim insofismavelmente que a jurisprudência do Tribunal Constitucional entende que o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, apenas proíbe a retroatividade autêntica, não abrangendo os casos em que, não obstante o facto tributário ter ocorrido ao abrigo da lei antiga, ainda continua a produzir efeitos na vigência na lei nova – retroatividade de 2.º grau -, nem tão-pouco abrangendo os casos em que o facto tributário ainda está em formação – retroatividade de 3.º grau; PPP – Destarte, o momento relevante para a determinação do caráter retroativo da lei fiscal, à luz do preceituado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, é o momento da verificação do facto tributário, pelo que, será de considerar retroativa a lei que atinja esse facto retrospectivamente em relação ao momento da sua entrada em vigor. QQQ – Assim, relevante para aferição da retroatividade da lei fiscal, e por conseguinte do respetivo grau de retroativi- dade, é o facto tributário e o momento em que ocorre. Ora no caso em apreço a inexistência de expectativas jurídicas ou de manutenção do regime legal pretensamente controverso é incontornável, porquanto até a própria a norma em causa regula a matéria do pagamento do imposto liquidado, não contendendo com a sua incidência ou quantificação da própria coleta. RRR – Assim, nos chamados casos de retroatividade falsa ou imprópria, o grau de confiança suscitado nos contri- buintes e a relevância do mesmo não pode deixar de ser ponderado ao nível da proporcionalidade. SSS – No caso das normas fiscais interpretativas materiais – as que visam solucionar a incerteza de lei anterior, situando-se dentro dos quadros da controvérsia, com um conteúdo que o julgador ou intérprete a ela pudesse chegar, sem ultrapassar os limites típicos impostos à interpretação e aplicação da lei – não se pode dizer que a confiança dos contribuintes no sentido da norma interpretada gera expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico. TTT – Se a norma é controversa, a única expectativa que existe é que o legislador a solucione.

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