TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tal justifica que ao rendimento total auferido devam ser deduzidas despesas específicas com a sua obtenção, pois tais gastos constituem uma expressão negativa da capacidade contributiva e, como tal, devem ser excluídos desse conceito se se revelarem indispensáveis à produção ou obtenção do rendimento (sobre tudo isto, cfr., entre nós, José Casalta Nabais, Contratos fiscais , Coimbra, 1994, p. 284, idem , O dever fundamental de pagar impostos , Coim- bra, 1998, pp. 469 e seguintes e 521 e seguinte, e também, por exemplo, José Guilherme Xavier de Basto, “O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária”, in Fiscalidade , n.º 5; especificamente sobre o reflexo dos referidos princípios constitucionais na dedução de custos em matéria fiscal, v. António Moura Portu- gal, A dedutibilidade de custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra, 2004, esp. pp. 22 e seguintes). O princípio da tributação pelo rendimento líquido poderá, porém, sofrer limitações, por via da não aceitação total ou parcial de determinadas despesas incorridas pelo sujeito passivo (…). As exceções ou desvios objetivos à tributação do rendimento líquido são justificadas por combinações de com- plementação e restrição recíprocas com outas exigência, mais evidentes no caso das limitações inerentes à exigência ou princípio de praticabilidade. Como se salienta na doutrina, “ao legislador não pode de todo ser negada uma certa dose de liberdade para limitar a certo montante, ou até excluir, as deduções específicas, expressão de deter- minados gastos indispensáveis à obtenção do correspondente rendimento, conquanto que isso seja estritamente excecional, tenha um fundamento racional e se aplique a todos os rendimentos em relação aos quais não se verifi- que qualquer razão fundada para tratamento diferente” (Casalta Nabais, Contratos fiscais, cit., p. 284; cfr. também, no mesmo sentido, idem , O dever de fundamental… , cit., p. 520). É o caso, designadamente, de despesas que tanto podem ser pessoais ou profissionais (de modo a que o apuramento da sua exata natureza se torna quase impossível), de despesas com uma natureza dúplice (porque são simultaneamente despesas empresariais e pessoais), com uma natureza de difícil apuramento, por razões de praticabilidade administrativa (inerentes à impossibilidade de con- trolo) e, mesmo, de justiça (por forma a evitar que alguns contribuintes burlem o sistema apresentando despesas ou gastos inexistentes ou de impossível sindicância).» Assim, no uso da sua liberdade de conformação política, o legislador pode admitir ou excluir a dedução dos gastos em cada momento tidos como indispensáveis à obtenção dos rendimentos objeto de tributação. E pode fazê-lo por razões de equidade, praticabilidade e eficiência, ou com vista à prossecução de quaisquer objetivos a que se reconheça dignidade constitucional. Forçoso é que essas opções – e as eventuais diferen- ciações que delas resultem – obedeçam a critérios objetivos, racionais e inteligíveis, respeitando desse modo a proibição do arbítrio. O juízo de inconstitucionalidade expresso na decisão recorrida baseia-se na comparação entre os titula- res de rendimentos obtidos com o exercício da advocacia no âmbito de uma sociedade transparente (grupo- -alvo) e os demais titulares de rendimentos provenientes do exercício da mesma atividade tributados no domínio do IRS (par comparativo). Dessa comparação extrai as seguintes ilações: (i) a identidade material da posição dos indivíduos que integram o grupo-alvo e o par comparativo; (ii) a lei dispensa um tratamento fiscal diferenciado e agravado aos indivíduos que integram o grupo-alvo; e (iii) o tratamento diferenciado é arbitrário, no sentido que releva para efeitos do princípio constitucional da igualdade. Nenhuma destas asserções é persuasiva. 7. Quanto à primeira, relembra-se que a tributação do rendimento das pessoas singulares ao abrigo do Código do IRS assenta na diferenciação de categorias de rendimentos. Por conseguinte, a configuração de deduções específicas pressupõe o reconhecimento, por parte do legislador, de que a realização de um conjunto de despesas é indispensável à obtenção de rendimentos de uma determinada categoria – e não à obtenção de rendimentos do exercício de uma determinada atividade profissional. Assim, por exemplo, prevê-se a realização de deduções específicas aos rendimentos do trabalho dependente (vide o artigo 25.º do CIRS); aos rendimentos empresariais e profissionais (vide os artigos 32.º e 33.º do CIRS); aos rendimentos prediais (vide os artigos 40.º do CIRS). Com vista a atingir o rendimento líquido, não é irrelevante que os

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