TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

661 acórdão n.º 241/20 Sucede que da decisão singular do relator caberia reclamação e que, por isso, a suscitação da questão de constitucionalidade foi feita em momento processual adequado. Com efeito, o Tribunal da Relação é um órgão colegial, funcionando, ora em plenário, ora em secções – artigo 67.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. Os poderes que a lei atribui ao relator, nomeadamente no âmbito do processo criminal, nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Penal, têm natureza pre- cária e condicional, sendo essa a razão pela qual as suas decisões são sempre reclamáveis para a conferência, nos termos do n.º 8 do citado artigo 417.º, sem que tal consubstancie uma instância de recurso ou ponha em causa a irrecorribilidade da decisão. Fora dos casos desta competência precária expressamente prevista na lei – e o despacho recorrido não invo- cou qualquer base legal para justificar a competência do relator para decidir a questão –, as decisões jurisdicio- nais do Tribunal da Relação são tomadas colegialmente, como decorre inequivocamente da natureza do órgão. É o caso do despacho de 12 de fevereiro de 2020 que, aliás, não se integra no exame preliminar do recurso, sendo antes uma decisão autónoma. Nessa medida, não poderia, pelos motivos referidos, deixar de se aplicar o regime do artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, que participa de um princípio geral nesta matéria. 11. No mais, afigura-se que a norma em apreço foi aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi – o Tribunal da Relação não contestou que o recorrente já estivesse de posse dos elementos extratados e cuja sensibilidade desaconselhava a possibilidade de consulta dos autos –, e é idónea a constituir objeto de recurso de constitucionalidade. Cabe questionar se é útil ao recorrente a eventual decisão em sentido favorável da questão de constitu- cionalidade que suscitou, tendo em que conta que está na posse de todos os elementos probatórios e factuais em que assentou a decisão de aplicação da medida de coação e que, por isso, «todas as peças processuais que, legalmente, podem instruir o recurso, são do seu conhecimento, tendo até cópia delas por lhe terem sido fornecidas, oficial e formalmente». Só que tal não contende com a instrumentalidade do recurso. O recorrente pretende com a consulta dos autos verificar se o apenso contém outros elementos para além daqueles que «legalmente» o podem ins- truir, sendo certo que o eventual deferimento da pretensão permitiria que tal consulta fosse realizada, ainda que se viesse a revelar inconsequente. Há que distinguir entre a inegável utilidade processual do recurso de constitucionalidade – que se afere em função da repercussão de um eventual juízo de inconstitucionalidade na decisão recorrida – e a duvidosa utilidade prática da pretensão cuja negação se alega ser inconstitucional − que se afere em função do interesse objetivo do recorrente. Esta última questão, a ter alguma relevância jurídica, respeita já ao mérito. Resta concluir que o recurso de constitucionalidade é admissível. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Deferir a presente reclamação e, em consequência, admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do despacho do relator no Tribunal da Relação do Porto, de 12 de fevereiro de 2020; b) Revogar a decisão reclamada. Sem custas. Lisboa, 27 de abril de 2020. – Gonçalo de Almeida Ribeiro – Joana Fernandes Costa – João Pedro Caupers.

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