TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

650 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL diferente. Neste caso, trata-se de um efeito material da pena que «é conatural à própria restrição da liberdade inerente à execução da pena de prisão» (assim, vide Pinto de Albuquerque, ob. cit. , anotação 1 ao artigo 67.º, p. 345; ou Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 171: «trata-se […] de um efeito material inarredável da pena de prisão […], não de um efeito jurídico da pena, nem, muito menos, de uma pena acessória»). 6. As consequências de condenações penais têm vindo a ser acomodadas nos estatutos pessoais dos trabalhadores e funcionários da Administração Pública, sem prejuízo da respetiva autonomia em matéria disciplinar e do princípio da independência do procedimento disciplinar. Em particular, no que respeita aos militares da GNR, os seus sucessivos estatutos têm previsto as situa- ções de inatividade temporária e de cessação do vínculo. A primeira é uma das situações em que o militar da Guarda no ativo pode estar em relação à prestação de serviço, nomeadamente por motivos criminais ou disciplinares: traduz-se no não exercício de funções por determinado tempo, produzindo os efeitos previstos na lei [vide os artigos 70.º, alínea b) , 73.º, n.º 1, alínea b) , e 74.º, n.º 3, todos do EMGNR de 2017; cfr. os preceitos homólogos do EMGNR objeto do Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de outubro: respetivamente, os artigos 74.º, alínea c) , 77.º, n.º 1, alínea b) , e 78.º, n.º 3; e do EMGNR objeto do Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de julho: respetivamente, os artigos 95.º, alínea b) , e 97.º, alínea b) ]. Relativamente à cessação do vínculo, é importante referir que o atual EMGNR a prevê quer por força da condenação na pena (criminal) acessória de proibição do exercício de função, quer em resultado da aplicação da pena disciplinar de separação de serviço [artigo 98.º, alíneas b) e d) , respetivamente; idêntica situação já se veri- ficava no âmbito do EMGNR de 2009: artigo 102.º, alíneas b) e d) ]. Com efeito, o Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado em anexo à Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, consagrou como pena disciplinar expulsiva a «separação de serviço». E esta era já a designação, no âmbito do EMGNR de 1993, da pena disciplinar expulsiva determinante do «abate aos quadros» da Guarda [cfr. o artigo 94.º, alínea d) ]. Nesse diploma, a pena acessória que também determinava a cessação do vínculo à GNR era a demissão [ou a expulsão; cfr. ibidem , a alínea b) ]. Na redação originária do Código Penal, previa-se a demissão, a título de pena acessória para o crime prati- cado por funcionário «com flagrante e grave abuso da função que exerce ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes» ou, ainda, quando o crime, embora praticado fora do exercício da função pública, revele que o agente é incapaz ou indigno de exercer o cargo ou implique a perda de confiança geral necessária ao exercício da função» (cfr. o artigo 66.º, n. os 1 e 2, na redação do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro; sobre a qualificação de tal demissão como pena acessória, vide o Acórdão n.º 353/86, n.º 3 da Fundamentação). Ora, uma das inovações importantes da reforma penal de 1995, nesta matéria, traduziu-se na introdu- ção de um mínimo e um máximo para a proibição do exercício de função – limites dentro dos quais deve ser fixada tal pena acessória em função da culpa do agente –, reforçando, desse modo, a respetiva natureza de pena criminal (cfr. a nova redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, àquele artigo transcrito supra no n.º 5; cfr. também as críticas dirigidas ao regime anterior por Figueiredo Dias, ob cit. , pp. 178-180, em especial, no tocante à duração das penas acessórias). Por outras palavras, a reforma penal de 1995 elimi- nou a cessação do vínculo como pena acessória aplicável aos funcionários, substituindo-a pela possibilidade de imposição de uma proibição meramente temporária de exercício de função. 7. A proibição consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição deve, por identidade de razão, ser aplicada também às penas acessórias, e, de modo particular, à pena acessória de proibição do exercício de função: não só está em causa uma verdadeira “pena”, como os motivos de proibição da automaticidade dos efeitos das penas, nomeadamente no que se refere ao seu carácter estigmatizante, valem da mesma forma para as penas acessórias. No caso presente, o carácter consequencial e automático da extinção definitiva do vínculo à Guarda, decorrente da condenação na pena acessória de proibição – temporária, recorde-se – do exercício de função, afigura-se ser um efeito ope legis e necessário que impede, em definitivo, o agente de continuar a sua atividade profissional fundada no vínculo existente à data da condenação (cfr. as conclusões 6.ª a 8.ª das alegações

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