TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

65 acórdão n.º 31/20 com a proteção de um interesse público igualmente valioso» (vide o respetivo n.º 22; e também o n.º 23 seguinte). Daí que a substituição de um juízo absolutório proferido em 1.ª instância por uma condenação em prisão efetiva decidida em 2.ª instância apresente especificidades (e uma gravidade muitíssimo maior), por comparação com a condenação, em circunstâncias paralelas, noutras penas (ou, porventura, até com dispensa de pena, nos termos do artigo 74.º do Código Penal), suficientes para que, do ponto de vista consti- tucional, se justifique proceder a uma ponderação entre os sacrifícios impostos ao arguido em cada caso e os ganhos de racionalidade, celeridade, eficácia e eficiência do sistema de administração da justiça, globalmente considerado, cujo resultado não pode – nem deve – ser sempre o mesmo. A interdependência do direito ao recurso e da organização dos tribunais (artigos 209.º a 211.º da Constituição), maxime no que toca ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, explica – e legitima - que se não absolutize, neste domínio, um dos polos com total abstração do que está em causa em cada situação típica. Deste modo, e situando-me apenas no quadro da jurisprudência do Plenário (Acórdãos n. os 429/16 e 595/18), no que se refere à matéria objeto da presente decisão, estou mais próximo da linha argumentativa do Acórdão n.º 672/17, com particular destaque para o respetivo n.º 14: «[E]stando somente em causa a fixação do número de dias da pena de multa e respetiva taxa diária, a efetiva possibilidade de condicionar esse juízo tendo por base os factos já fixados nos autos, apesar de não corresponder à mais ampla ou eficaz modalidade de concretização do direito ao recurso, não coloca tal direito […] aquém do ponto constitucionalmente prescrito pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Trata-se, pelo contrário, de uma opção cabida ainda na ampla margem de conformação que ao legislador ordinário assiste no âmbito da definição do elenco das decisões (ir)recorríveis, cujo resultado não é, relativamente aos fins que através dela se prosseguem, desproporcionado ou excessivo. Considerar excessiva a compressão do direito ao recurso que resulta da exclusão da faculdade de impugnação, perante uma outra instância, da medida concreta da pena de multa aplicada pelo Tribunal da Relação, significaria considerar constitucionalmente imperativo o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em todos os casos de revogação de uma decisão absolutória proferida em primeira instância e, portanto, também naqueles em que a condenação imposta em segunda instância é acompanhada da aplicação da sanção penal que, relativamente ao risco de privação da liberdade, apresenta o menor conteúdo aflitivo de entre todas as previstas no ordenamento. O que, diga-se por último, poria irremediavelmente em causa o próprio critério subjacente à definição do elenco das decisões recorrí- veis para aquele Supremo Tribunal: por razões que encontram suficiente amparo no próprio princípio constitucio- nal da proibição do excesso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é tanto mais impreterível quanto mais intenso for o nível de afetação da liberdade implicado na sanção aplicada ao arguido recorrente. Ora, nos casos em que a reversão da absolvição proferida em primeira instância dá lugar à aplicação de uma pena de multa alternativa, movemo-nos no âmbito, não só dos crimes de gravidade menos acentuada, como daque- les que, sendo de gravidade menos acentuada, foram efetivamente sancionados com a menos grave das sanções penais admitidas no ordenamento. Isto é, precisamente no âmbito dos crimes relativamente aos quais tem especial cabimento o propósito de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de modo a salvaguardar o seu eficaz fun- cionamento e, com isso, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição).» Note-se que este último aspeto não é de somenos importância: uma justiça morosa não é nem efetiva (e justa) nem eficaz. E a lógica da presente decisão, ao impor, sempre que a decisão recorrida é revertida em desfavor do arguido, uma nova decisão por um tribunal diferente do tribunal de recurso, independentemente da gravi- dade do crime por que aquele é condenado e da gravidade da pena que em consequência lhe é aplicada, tem o efeito inelutável e perverso de adiar por mais algum tempo a decisão final. Este acórdão contribui, assim, para uma justiça mais morosa e, por isso mesmo, mais nominal. De resto, tal efeito não é contrariado, mesmo que o legislador, para continuar a limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (e, também, para assegurar que os poderes de reexame da determinação da

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