TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
646 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (acessível, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ) , cuja fundamentação a decisão ora recorrida transcreveu em parte e acolheu. De todo o modo, o caso em apreciação nos presentes autos apresenta algumas especificidades que não permitem uma transposição, sem mais, nem da fundamentação nem da decisão constante daquele acórdão. Aí apreciou-se a norma do Código de Justiça Militar de 1977 que impunha a demissão de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente como efeito necessário da sua condenação por certos crimes, nomeadamente os previstos no artigo 37.º, n.º 1, desse diploma; no presente caso, diversa- mente, está em causa um efeito necessário (a cessação definitiva do vínculo à GNR) da condenação na pena acessória de proibição do exercício de função. Destarte, importa começar por analisar o alcance do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição e, só depois, apreciar a norma objeto do presente recurso à luz de tal parâmetro. 3. O artigo 30.º, n.º 4, foi introduzido na Constituição pela revisão constitucional de 1982 tendo em vista acolher o entendimento constante do então recente Código Penal de 1982 segundo o qual «nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos». Trata-se de um preceito inspirado no Projeto de Código Penal de 1963, da autoria de Eduardo Correia, que acolhe o princí- pio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas. Nesse sentido, afirma-se no Acórdão n.º 154/04: «Sobre as disposições aprovadas em 1982 escreveria depois o autor (Eduardo Correia, “O novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários, p. 29): “O Código, aliás em consonância com a Constituição, fez desaparecer o efeito infamante das penas, não considerando seu efeito automático a perda de direitos civis, políticos e profissionais (artigo 65.º). Temos, assim, que todo o labéu, todo o estigma jurídico, se dilui, ficando apenas a possibilidade autónoma ou paralela de cominar penas acessórias.” Inspirando-se no anteprojeto de Eduardo Correia, Jorge Miranda propusera a consagração deste princípio no projeto de Constituição que apresentara em 1975, e insistiu nele, com sucesso, a propósito de Um Projeto de Revi- são Constitucional (Coimbra, 1980, p. 35). Aí escreveu: “O novo n.º 4 tem por fonte o artigo 76.º do anteprojeto de parte geral do Código penal, de autoria de Eduardo Correia. Já constava do meu projeto de Constituição de 1975.”» (n.º 6) Com o preceito em análise o legislador constituinte visou impedir que à condenação em certas penas acresça, de modo automático ou mecânico, por efeito direto da lei, uma outra sanção da mesma natureza, independente de decisão judicial. Como se refere no Acórdão n.º 376/18: «[Exclui-se] que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos seja configurada, pelo legislador infracons- titucional, como um efeito ope legis aquando da aplicação de uma dada pena, em detrimento de uma decisão que pondere as circunstâncias concretas de cada caso. Só neste quadro a pena é contida na sua exata base de legitimação constitucional, e só assim, algum tipo de projeção dessa circunstância (a aplicação de uma pena) é constitucional- mente tolerada, porque deixa de envolver, “como efeito necessário”, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos. Assim se observa autonomamente o princípio da culpa e da proporcionalidade na produção de qualquer efeito desvalioso, ou de pendor sancionatório, conexionado com a anterior aplicação de uma pena (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 284/89, 442/93 e 748/93, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) ou condenação pela prática de um crime, a esta incidência estendendo teleologicamente o âmbito protetivo do artigo 30.º, n.º 4 (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 91/84, 282/86, 284/89, 522/95, 327/99, 76/00, 87/00, 405/01 e 562/03, 239/08 e 368/08)» (n.º 11)
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