TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
645 acórdão n.º 256/20 Admitido o recurso e subidos os autos, foram as partes notificadas para alegar. Apenas o Ministério Público apresentou alegações, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões: «2.ª) O artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, dispõe que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. 3.ª) Este preceito constitucional, como documenta a história legislativa e a exegese, jurisprudencial e doutriná- ria largamente dominantes, visa proscrever os “efeitos automáticos das penas” ( maxime , criminais). 4.ª) O Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana [EMGNR], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março, no seu artigo 98.º (Cessação do vínculo), na alínea b) , dispõe o seguinte: “Cessa definitivamente o vínculo à Guarda, ficando sujeito às obrigações decorrentes da Lei do Serviço Militar, o militar que (…]) b) Tenha sido condenado na pena acessória de proibição do exercício de função”. 5.ª) A aplicação da norma jurídica expressa por esta norma legal é “automática”: verificado o facto operativo (tipificado de modo unívoco, “Tenha sido condenado na pena acessória de proibição do exercício de função”), ipso jure , dele se deduz a consequência legalmente estabelecida [igualmente tipificada de modo unívoco, “Cessa definitivamente o vínculo à Guarda (...)”]. 6.ª) Ou seja, esta norma jurídica é aplicável segundo uma lógica de subsunção (verificados os pressupostos legais, deles é deduzido o efeito jurídico extintivo da relação administrativa) e não de uma lógica de ponderação (consideração do peso relativo das razões, pró e contra, subjacentes ao caso). 7.ª) Mais ainda, a aplicação da norma jurídica expressa por este enunciado legal não outorga qualquer margem de apreciação ao aplicador, seja na determinação dos pressupostos legais, seja na determinação da consequência jurídica. 8.ª) Tal habilitação legal, em conformidade com a sua essência, é concretizada através da prática de um ato administrativo estritamente vinculado, no qual à verificação da “condenação na pena acessória de proibição do exercício de função”, se faz necessariamente corresponder o efeito extintivo “Cessa definitivamente o vínculo à Guarda”. 9.ª) Por conseguinte, a norma jurídica constante do artigo 98.º (Cessação do vínculo), na alínea d) , do EMGNR, infringe o preceituado no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, no qual se dispõe que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos” e, por conseguinte, é materialmente inconstitucional (art. 277.º, n.º 1). 10.ª) É relevante no caso em apreço a pronúncia do Tribunal Constitucional, em Plenário, tirada em sede do artigo 82.º (Processo aplicável à repetição do julgado), no acórdão n.º 165/86, proc.º n.º 7/86, de 20 de abril, de “declara[ção] com força obrigatória geral, [de] inconstitucionalidade do artigo 37.º, n.º 1, do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de abril, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.”» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 2. O presente recurso respeita à apreciação da constitucionalidade da norma recusada aplicar pelo tri- bunal a quo, que é extraída do artigo 98.º, alínea b) , do EMGNR, segundo a qual «[c]essa definitivamente o vínculo à Guarda, ficando sujeito às obrigações decorrentes da Lei do Serviço Militar, o militar que: b) Tenha sido condenado na pena acessória de proibição do exercício de função». Tal recusa fundou-se no entendi- mento de que a norma em causa colide com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição: nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos. Preliminarmente, deve referir-se que a questão de inconstitucionalidade em análise não é inteiramente nova para o Tribunal Constitucional. Pelo contrário, questão com alguma similitude, que implicava a perda de direitos profissionais dos militares, já foi objeto de decisão pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 165/86
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