TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma verdadeira “pena”, como os motivos de proibição da automaticidade dos efeitos das penas, nomea- damente no que se refere ao seu carácter estigmatizante, valem da mesma forma para as penas acessórias. IV - No caso presente, o carácter consequencial e automático da extinção definitiva do vínculo à Guarda, decorrente da condenação na pena acessória de proibição – temporária – do exercício de função, afigura- -se ser um efeito ope legis e necessário que impede, em definitivo, o agente de continuar a sua atividade profissional fundada no vínculo existente à data da condenação; aquele efeito extintivo apresenta-se como um plus relativamente ao mal da pena acessória e que, sem dúvida alguma, pode perturbar a readaptação social do condenado, sem que se atenda ao princípio da culpa e ao princípio da proporcionalidade. V - O artigo 98.º, alínea b) , do EMGNR, ao consagrar a cessação definitiva do vínculo à Guarda no segui- mento da condenação numa pena acessória de proibição do exercício de função, acaba por ultrapassar o sentido desta última, uma vez que, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, do Código Penal, tal pena se apresenta sempre com um carácter temporário, e não necessariamente expulsivo; a norma daquele preceito acaba por esvaziar, em larga medida, as ponderações realizadas em sede de fixação da medida da pena acessória, porquanto transforma esta última sempre em mero pressuposto de uma consequên- cia única, necessária e de aplicação automática: a cessação definitiva do vínculo à GNR, sem que se consiga divisar um qualquer fundamento razoável para tal. VI - Não se descortinam quaisquer fundamentos válidos, à luz do interesse público, para que, no que respeita aos militares da GNR, se converta a pena de proibição do exercício de função, que tem um carácter temporário, numa pena de cessação definitiva do vínculo, pondo em causa os princípios fundamentais da política criminal, como o princípio da culpa, o princípio da necessidade da pena e o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; tanto mais, que a aplicação de tal sanção acessória não só se pode enquadrar no âmbito do EMGNR enquanto inatividade temporária, como não preclude a possibilidade de exercer o poder disciplinar e de eventualmente, caso a gravidade da conduta do militar o justifique, aplicar em sede disciplinar uma sanção expulsiva: a separação do serviço. VII - Ao determinar que o militar que tenha sido condenado na pena acessória de proibição do exercício de função cessa definitiva e de forma automática (ou seja, sem qualquer mediação ponderadora numa decisão administrativa concreta) o vínculo à GNR, a norma da alínea b) do artigo 98.º do EMGNR é incompatível com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em que é recor- rente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo da alí- nea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), da decisão de 8 de maio de 2019 que julgou procedente a ação administrativa proposta pelo aqui recorrido com vista à invalidação do despacho do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR) que declarou extinto o seu vínculo funcional à Guarda. Com efeito, nessa decisão, foi recusada aplicação à norma do artigo 98.º, alínea b) , do Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março, que consagra o Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR), por se entender que a mesma viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
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