TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

640 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito. Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras. Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele prin- cípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta altera- ção constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a exis- tência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança» (v. o Acórdão n.º 617/12, n.º 2; confirmando ser esta a «linha de rumo seguida pelo Tribunal Constitucional na definição do sentido e alcance da cláusula proibitiva de impostos de natureza retroativa» – operação “objetiva”, ou como que “automática” – e acompanhando-a, «na sua linha geral», v. Cardoso da Costa, O princípio constitucional da retroatividade dos impostos e a jurisprudência constitucional , cit., pp. 149 e 161, respetivamente). Ora, no caso vertente, não cabe dúvida de que a norma objeto do presente recurso estabelece um agra- vamento da taxa aplicável a factos tributários que já tinham produzido todos os seus efeitos antes do seu início de vigência, obrigando a uma liquidação e a um pagamento adicionais. Trata-se, por conseguinte, e inequivocamente, de norma fiscal retroativa em sentido próprio, incompatível com a proibição estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 261.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, segundo a qual o disposto no artigo 81.º da mesma Lei, no segmento em que altera a redação do artigo 6.º-A do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, produz efeitos a partir de 7 de março de 2014 – dia da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 6 de março –, determinando assim um aumento de 0,95 pontos percentuais da taxa contributiva referente aos meses de março a dezembro de 2014 a cargo das entidades empregadoras titulares de estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo não superior, relativas aos seus educadores e docentes ainda inscritos na CGA, I.P.; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 29 de abril de 2020. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Mariana Canotilho [com decla- ração] – Manuel da Costa Andrade .

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