TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e) , ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tri- bunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que condenem os arguidos em pena de multa, ainda que as decisões recorridas da 1.ª instância sejam absolutórias, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. b) Julgar procedente o recurso interposto e ordenar a reforma da decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Sem custas. Lisboa, 16 de janeiro de 2020. – Mariana Canotilho – Pedro Machete (vencido conforme declaração junta) – Manuel da Costa Andrade – Mariana Canotilho (tem voto de vencido do Senhor Conselheiro Fer- nando Vaz Ventura que não assina por não estar presente). DECLARAÇÃO DE VOTO Mantenho e reafirmo a minha posição de princípio quanto ao alcance do direito ao recurso em processo penal consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição expressa nas declarações de voto juntas aos Acórdãos n. os 429/16 e 595/18. Sem prejuízo das mesmas, entendo que a presente decisão, na sua análise quanto à defesa do arguido absolvido em 1.ª instância e que se vê confrontado com uma condenação proferida em 2.ª instância, desloca o acento tónico da determinação das consequências do crime - aspeto consequencial, mas inovatório face ao objeto da decisão absolutória anterior – para a própria condenação pelo(s) crime(s) de que o arguido foi acusado e, ou, pronunciado – aspeto que traduz uma apreciação diferente da mesma matéria de facto e de direito objeto da decisão (absolutória) recorrida e que é inerente à natureza do recurso penal para as relações enquanto recurso de substituição ou de reexame (mas o mesmo já não ocorre na revista alargada para o Supremo, conforme previsto no artigo 434.º do Código de Processo Penal). O resultado é a absolutização do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição: tal direito fica, assim, imunizado contra restrições legais e, em caso de colisão com outros bens constitucionais, deve prevalecer sempre. Ou seja, a referida garantia processual, considerada de per si, em abstrato, é, ela própria erigida como um valor final, autónomo e absoluto (vide, em especial, os n. os 10 e 11 da decisão, e o próprio dispositivo, apesar do que se refere na parte final do n.º 12). Consequentemente, deixa de haver espaço para ponderações e o princípio da proporcionalidade já não pode ser convocado como parâmetro de legitimidade constitucional. Sucede que tal não decorre dos fundamentos do direito ao recurso (cfr. o Acórdão n.º 49/03) e que, tão-pouco, aquela absolutização do mesmo direito, com abstração das diferenças entre os interesses que o mesmo permite tutelar, é imposta pela Constituição. Bem pelo contrário. Conforme referido no Acórdão n.º 595/18, existe uma correlação «entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, […], já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave for a pena aplicada ( i. e. , quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido
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