TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

639 acórdão n.º 255/20 para o futuro, não pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa repercussão sobre o passado. A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas – tomadas pelo legislador ordinário no quadro da sua estrutural habilitação para rever opções antes tomadas por outros legisladores históricos – façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir genericamente que o legislador recorra a uma “técnica” de modelação da repercussão dos efeitos das suas escolhas em face da varia- bilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas pode assumir uma intensidade forte ou máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca, mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso, designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legis- lativas como sendo de «retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica», ou ainda, mais simplesmente, de «retros- petividade». Como quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito. É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a defini- ção de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.» Na verdade, o Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento de que a proibição da retroa- tividade, no domínio da lei fiscal, se dirige apenas à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no pre- sente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contri- buintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (assim, por exemplo, os Acórdãos n. os 617/12 e 85/13, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n. os 128/09, 85/10 e 399/10). Mas, ocorrendo retroatividade autêntica, é aplicável a cláusula proibitiva do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: «Esta norma constitucional dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei». Sendo o poder de lançar impostos inerente à noção de Estado, como manifestação da sua soberania, perante um longo passado de abusos e arbitrariedades, a introdução do princípio da legalidade nesta matéria veio conferir- -lhe um estatuto de cidadania no mundo do Direito.

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