TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

632 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A Constituição não fixa, com caráter de regra suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de pensões e demais prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua concessão e valor pecuniário. Caberá assim ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdo das pensões. Também aqui a liberdade de decisão do legislador é variável, consoante a maior ou menor determinabilidade das regras constitucional [Do “princípio da totalização” – que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para o cálculo do montante das prestações –] não decorre que o legislador ordinário esteja constitucionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma pensão rigorosamente correspondente ao das remunerações registadas durante o período con- tributivo, não se podendo falar num “princípio da equivalência entre contribuições e montantes da prestação”, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização (cfr. Acórdão n.º 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acórdão que “a Constituição da República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de reforma, o montante da retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador no ativo. Pode – e, numa certa perspetiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos” (cfr. Acórdão n.º 675/05). 18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear o conteúdo concreto ou final do direito à pensão, respeitados os limites constitucionais pertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento, autó- noma e imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão. O direito a uma determinada pensão só adquire conteúdo preciso através da legislação ordinária. Pelo que a sua “vinculatividade jurídica” é “uma criação infraconstitucional”. Apenas a partir do momento em que o legislador ordinário fixa, com elevado grau de precisão e de certeza, o conteúdo do direito exigível do Estado, o direito à pensão adquire na ordem jurídica um “grau pleno de definitividade e densidade” (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, […] Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo a concretização legislativa do direito, ela passará a “integrar a norma de direito fundamental”, correspondendo a faculdades, pretensões ou direitos particulares integráveis no direito fundamental como um todo. Não obstante, isso não significa uma absoluta intangibilidade do direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da proteção específica cor- respondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito, como a proteção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios. O direito à pensão está, aliás, particularmente dependente das disponibilidades financeiras do Estado, sendo, nesse sentido, mais permeável “à pressão da conjuntura”, sobretudo, nos períodos mais críticos de dificuldades económicas. Essa especial vulnerabilidade justifica-se não apenas com o facto de o direito à pensão alocar recursos financeiros imediatos, mas também devido à própria estrutura do direito. O direito à pensão tem na sua formação uma estrutura temporal de média e longa duração, pelo que, durante a vida da prestação, os contextos sócio- -económicos que enquadram a atividade legislativa podem alterar-se radicalmente. Por outro lado, para além da sua duração prolongada, as pensões são ainda particularmente dependentes dessa “reserva do possível”, pelo simples facto da sua inserção no sistema solidário de prestação do contrato geracional. Ora, num sistema previdencial de repartição, os beneficiários não podem ignorar os riscos envolvidos, com a pos- sibilidade de alteração dos direitos em formação, não se podendo defender que se reconhece, sem exceções, um “princípio da intangibilidade no que toca ao quantum das pensões” (João Carlos Loureiro, Adeus ao Estado Social? , Coimbra Editora, 2010, pp. 166, 170 e 379). E quanto aos direitos já consolidados, no Acórdão n.º 187/13 considerou-se o seguinte: “o reconhecimento do direito à pensão e a tutela específica de que ele goza não afastam, à partida, a possibilidade de redução do montante concreto da pensão. O que está constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo montante, a título de pensão”.

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