TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
63 acórdão n.º 31/20 defesa dos arguidos, não se vislumbra razão para, em sede de aplicação de pena de multa, após absolvição, afastar a possibilidade de exercício do direito ao recurso – nenhuma razão, maxime de racionalização do sistema e tutela da sua eficiência, se afigura suficientemente forte para impedir o reexame, por uma instância jurisdicional diferente da que tomou a decisão, pelo menos, da dimensão nova introduzida pela Relação, a saber, a determinação da pena e da respetiva medida concreta. De facto, o duplo grau de jurisdição só poderia, nesta sede, funcionar como garantia suficiente da tutela jusconstitucional do arguido, se a decisão do recurso fosse, em toda a sua extensão, uma reapreciação da situação decidida pelo tribunal recorrido, ou seja, um reexame da matéria analisada e decidida pelo tribunal a quo e não o julgamento de questões novas. Ora, a determinação da medida da pena é, no entanto, uma indubitável questão nova, de que o arguido não poderia, de forma alguma, ter-se defendido em momento anterior. Destarte, independentemente da natu- reza da pena aplicada, a impossibilidade de interpor recurso da decisão condenatória, na hipótese em apreço, entra em choque com a previsão do direito fundamental ao recurso do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. 13. Nestes termos, e apesar dos argumentos aduzidos em posições divergentes, apostas nos dois Acórdãos do Plenário do Tribunal perscrutados, não se trata de estabelecer um triplo grau de jurisdição porquanto, mantida intacta a unicidade da causa penal, apenas os elementos que conduzam ao juízo de culpabilidade (reformador da decisão absolutória prévia) e consequente fixação da sanção, em harmonia com os artigos 368.º e 369.º do CPP, ao serem questionados pelo arguido recém-condenado, deverão ser objeto de rea- preciação. Essa (primeira) reapreciação, que garante o respeito pelas garantias jurídico-constitucionalmente tuteladas de defesa do arguido, é assegurada, na prática, pelo direito ao recurso, e não pela existência de mais um (ou dois) graus de jurisdição, na medida em que o duplo grau, como se demonstrou, não assegura neces- sariamente a possibilidade de contestação, e indispensável reexame, da medida da pena aplicável. Ainda que, no caso dos autos, se tenha tentado exercer este direito perante um tribunal ad quem , a dimensão normativa sobre a qual recai o presente juízo de constitucionalidade cinge-se antes de mais à essência do direito ao recurso, ou à impossibilidade do seu exercício. O que está em causa é, pois, a capacidade de forçar os tribu- nais competentes a apreciar uma condenação, no momento em que esta surge na esfera jurídica do arguido, tendo em atenção as sérias implicações a ela inerentes em matéria de direitos fundamentais. De facto, se é verdade que o direito fundamental ao recurso pode não ser garantia suficiente de uma defesa efetiva, é igualmente verdade que a ausência da possibilidade de recorrer de uma decisão condenatória – no caso, da determinação da medida da pena -, ergue um obstáculo intransponível a essa mesma defesa. Ou seja, sem direito a recorrer não é possível sequer conceber que o direito de defesa possa ser efetivamente exercido. O direito fundamental ao recurso é, pois, condição indispensável para um exercício efetivo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Conclui-se, por isso, que não é constitucionalmente admissível, a restrição, na esfera dos direitos, liber- dades e garantias – em que se insere a articulação do direito ao recurso com a mobilização de outros meios de defesa, para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva -, configurada, conforme consta dos autos, pela total supressão do direito ao recurso, no que respeita à escolha e determinação da medida da pena, que o artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP promove. Nesse sentido, a insindicabilidade de uma decisão condenatória em pena de multa, após absolvição em 1.ª instância, não se compagina com a proteção das garantias de defesa em processo criminal, em particular com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, diversas vezes afirmado como inquestio- navelmente central na dinâmica de proteção dos direitos fundamentais pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, os sentidos e o alcance do direito fundamental ao recurso impõem que o juízo de inconstituciona- lidade a respeito da irrecorribilidade de condenações após absolvição seja estendido de forma a abranger as penas de multa.
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