TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

610 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL perante reações jurídico-penais de reduzida intensidade (pense-se não apenas na pena de multa, mas também na prestação de trabalho a favor da comunidade ou, até mesmo, no limite, na admoestação). A solução adotada no Acórdão n.º 595/18 também reflete adequadamente o peso da tutela do direito à liberdade na ponderação dos valores em conflito, com a correspondente excecionalidade da pena de prisão [como ali se escreveu: “[…] uma sanção que só deve ser aplicada como ultima ratio , em concretização da ideia essencial da reintegração social e socialização do arguido condenado – que a jurisprudência constitucional identifica, na falta de disposição constitucional expressa, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (artigos 1.º e 25.º, n.º 1) e das normas constitucionais constantes dos artigos 2.º, 9.º, alínea d) , e 18.º, todos da Constituição (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 336/08 e 427/09, ponto 4). As disposições em questão revelam igualmente que a Constituição é tributária de uma tradição humanista e liberal emmatéria político-cri- minal que rejeita tanto a pena de morte (no que Portugal foi pioneiro), como a pena de prisão perpétua (artigos 24.º, n.º 2, e 30.º, n.º 1) e tem horror à privação injusta de liberdade. São emanações claras desse postulado de princípio a consagração expressa do mecanismo do habeas corpus e da indemnização por privação de liberdade ilegal (artigos 31.º e 27.º, n.º 5, da Constituição)”], sem paralelo com qualquer outra pena. O padrão de exigência constitucional do direito ao recurso pode, assim, obedecer a uma geometria variá- vel em função da natureza da pena aplicada, reveladora da intensidade da reação penal, sem que com isso se comprometa a essência da garantia de defesa do direito ao recurso. Não se tratando de procurar o melhor regime, mas de saber aquele que é constitucionalmente tolerável, é de afirmar, em geral, a conformidade à Constituição da limitação do acesso ao STJ nos casos de aplicação de penas não privativas da liberdade. Assim será, mesmo reconhecendo que o direito do arguido ao recurso é restringido, uma vez que, “[…] ao esgotar-se na garantia do duplo grau de jurisdição, fica limitado à faculdade de influir ex ante no juízo decisório que o tribunal ad quem terá de desenvolver para fixar os termos da respetiva responsabilidade, sem contemplar a faculdade de impugnar o resultado de tal processo” (Acórdão n.º 595/18). 2.4. Para os efeitos da norma em apreciação, isto é, para a modelação das exigências no âmbito do direito ao recurso – a pena de prisão suspensa na sua execução não pode ser equiparada à pena de prisão efetiva, ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar nas suas alegações. Aceitando-se que a suspensão da execução da pena traz consigo a potencialidade de se transformar em pena efetiva, a verdade é que não implica, só por si, a privação de liberdade – assenta até, de certo modo, no seu oposto, por se tratar de realizar as finalidades da pena através da ameaça de prisão, eventualmente acompanhada de deveres e regras de conduta (cfr. Figueiredo Dias, Direito penal português – As consequências jurídica do crime , Lisboa, 1993, pp. 338/339). Trata-se, aliás, de uma pena de substituição, tendo por isso, autonomia face à pena de prisão substituída. A este propósito, Maria João Antunes ( Penas e Medidas de Segu- rança , Almedina, Coimbra, 2017, p. 81) sublinha a reintrodução, pela Lei n.º 94/2017, da “regra de que a medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é determinada de forma autónoma, segundo os critérios do artigo 71.º, n.º 1, do CP […]”, para assinalar que a “[…] determinação autónoma da medida concreta da suspensão da execução da pena de prisão é, de resto, mais consentânea com a sua natureza de pena de substituição em sentido próprio (cfr. Ac. do STJ n.º 13/16)” (vide, ainda, Acórdão n.º 587/19). Acima de tudo, a transformação da pena suspensa em pena efetiva não é automática. A revogação da suspensão é a ultima ratio de um leque abrangente de opções de reação ao incumpri- mento culposo dos deveres ou regras de conduta impostos e/ou ao desvio do plano de reinserção, podendo o tribunal, antes disso: dirigir ao condenado uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigên- cias acrescidas no plano de reinserção; ou prorrogar o período de suspensão (artigo 55.º do Código Penal). Ademais, a revogação implica que o condenado tenha infringido grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometido crime pelo qual venha a ser con- denado, revelando assim que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=