TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

61 acórdão n.º 31/20 De facto, a maioria das condenações em multa previstas na legislação penal assume a configuração de pena alternativa, o que não implica que a condenação – ainda que na pena menos gravosa possível-, não tenha, para o arguido, um peso e um potencial de afetação dos seus direitos fundamentais que mereçam uma tutela das garantias de defesa em sede de processo criminal, jusconstitucionalmente consagradas, mais intensa do que a desenhada pelo legislador. Em causa estará, em qualquer circunstância, uma ingerência por parte do Estado no âmbito jurídico-constitucionalmente tutelado de direitos fundamentais – senão o direito à liberdade, o direito à propriedade (no caso da pena de multa, que aqui analisamos, alternativa ou não) e, inelutavelmente, mesmo nos casos de dispensa de pena, os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e ao bom nome e reputação, previstos no n.º 1 do artigo 26.º da CRP – operada através da condenação penal em si mesma, cuja gravidade não pode ignorar-se. O juízo de ponderação a levar a cabo no caso concreto deve, pois, estabelecer-se a limitação dos direitos de defesa do arguido, previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e em particular do seu direito ao recurso – autonomizado da garantia de duplo grau de jurisdição – se considera justificada, nos casos de condenação em pena de multa, após decisão absolutória na 1.ª instância, pela necessidade de limitar e racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em nome da celeridade e segurança jurídicas, que constituem valores cons- titucionalmente tutelados; ou se, ainda que não possam deixar de sopesar-se tais valores, as consequências de uma condenação, e inerente determinação da pena e da respetiva medida concreta, na esfera jusfundamental do arguido, se afiguram de tal modo profundas que não pode deixar de reconhecer-se, nesta sede, a impe- ratividade do exercício do direito ao próprio recurso – um recurso em relação à decisão condenatória e seus elementos específicos, modelado pelo arguido, nos termos que tenha por adequados. 11. Neste diapasão, na verdade, e tendo por elemento fundamental não a natureza da pena, mas a possi- bilidade de que o arguido dispõe para reagir contra a condenação – e as inerentes determinação da espécie e da medida da pena aplicada -, o enquadramento, para efeitos de análise jurídico-constitucional, da condena- ção em pena de multa aproxima-se, decisivamente, do adotado nos acórdãos deste Tribunal Constitucional, já citados, que analisaram a condenação em pena privativa de liberdade. Desta forma, tal como nas condenações em pena de prisão não superior a cinco anos, e na senda dos Acórdãos n. os  429/16 e 595/18, nas condenações em multa, após absolvição em 1.ª instância, ambos os elementos da pena – espécie e medida – devem ser sindicáveis junto dos tribunais competentes. Ora, como melhor se explicará, infra, apenas um recurso contra a condenação proporciona a (re)apreciação – por um tribunal superior – da operação subsuntiva efetuada pelo tribunal a quo, de forma a que o arguido possa mobilizar a tutela jurisdicional para questionar os termos em que se decidiu a sua condenação penal. A com- pressão do direito fundamental ao recurso, definida pela dimensão normativa do artigo 400.º do CPP aqui em análise, consubstancia, nessas hipóteses, uma verdadeira supressão do direito, ilustrativa, aliás, de como o duplo grau de jurisdição, de facto, não assegura per se as garantias dos direitos de defesa previstos no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.  No momento da condenação ocorre, pois, em certa medida, uma renovação do direito de defesa por meio dos instrumentos de recurso.  Não pode ser de outra maneira, uma vez que  o direito fundamental ao recurso em situações, como a do caso concreto, de condenações após absolvição em 1.ª instância, configura a concretização da tutela jurisdicional efetiva na sua expressão mais notável, designadamente, a fiscalização e a proteção pelas autoridades judiciais dos direitos fundamentais do arguido, conforme delineados pelo texto constitucional. Nessa medida, o cidadão que venha a ser condenado, após absolvição em 1.ª instância, tem direito, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 20.º, ambos da CRP, a que a respetiva pena, inédita, seja reapreciada pelos tribunais. Afinal, impedir que uma condenação original, em particular tendo em conta “o facto de a medida da pena ser um quid novum ” (José M. Damião da Cunha, “Algumas consi- derações sobre o atual regime de recursos em processo penal”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano 28, n.º 1, jan-abr. 2018, p. 79), escape a qualquer crivo de escrutínio judicante, em sede de recurso, é “muito

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