TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

609 acórdão n.º 234/20 razões, para os casos de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, sobre os quais incide a norma sub judice . Como é evidente, trata-se, no Acórdão n.º 31/20, de uma leitura dos preceitos constitucionais diferente da que se afirma no Acórdão n.º 595/18, designadamente no que respeita à irrelevância (para aquele) ou relevância (para este) da natureza da pena aplicada na modelação das exigências decorrentes do direito cons- titucionalmente consagrado ao recurso. Assim, no momento de aferir a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução, há que tomar posição sobre a (ir) relevância da natureza da pena aplicada para aqueles efeitos. Entende-se, neste conspecto, que o entendimento mais conforme ao sentido do artigo 32.º, n.º 1, da CRP é o que se encontra nos fundamentos do Acórdão n.º 595/18, supratranscritos (item 2.1.). Na verdade, o direito ao recurso não deve ser visto como absoluto e “imunizado contra restrições legais”, prevalecendo sempre “em caso de colisão com outros bens constitucionais”. “Bem pelo contrário. Conforme referido no Acórdão n.º 595/18, existe uma correlação «entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fun- damentais caracteristicamente restringidos pela pena, […], já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave for a pena aplicada (i. e., quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensa- ção, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso». (…) Daí que a substituição de um juízo absolutório proferido em 1.ª instância por uma condenação em prisão efetiva decidida em 2.ª instância apresente especificidades (e uma gravidade muitíssimo maior), por com- paração com a condenação, em circunstâncias paralelas, noutras penas (ou, porventura, até com dispensa de pena, nos termos do artigo 74.º do Código Penal), suficientes para que, do ponto de vista constitucional, se justifique proceder a uma ponderação entre os sacrifícios impostos ao arguido em cada caso e os ganhos de racionalidade, celeridade, eficácia e eficiência do sistema de administração da justiça, globalmente considerado, cujo resultado não pode – nem deve – ser sempre o mesmo. A interdependência do direito ao recurso e da organização dos tribunais (artigos 209.º a 211.º da Constituição), maxime no que toca ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, explica – e legitima – que se não absolutize, neste domínio, um dos polos com total abstração do que está em causa em cada situação típica. (…) Uma justiça morosa não é nem efetiva (e justa) nem eficaz. (…) Impor, sempre que a decisão recorrida é revertida em desfavor do arguido, uma nova decisão por um tribunal diferente do tribunal de recurso, independentemente da gravidade do crime por que aquele é condenado e da gravidade da pena que em consequência lhe é aplicada, tem o efeito inelutável e perverso de adiar por mais algum tempo a decisão final” (cfr. a declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 31/20, itálicos acrescentados). Em suma, “[…] a restrição do recurso (de segundo grau) perante o Supremo Tribunal de Justiça adotada pelo legislador encontra justificação em interesses de celeridade e eficiência da administração da justiça penal, dignos de proteção à luz do texto constitucional. Indispensável será, no entanto, que a compressão do direito fundamental em causa na solução da limitação do direito ao recurso, para além de adequada e necessária, tendo em vista resguardar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, não se apresente como excessiva para assegurar os fins prosseguidos, designadamente tendo em vista os efeitos que produz na garantia de defesa do arguido” (cfr. Maria de Fátima Mata-Mouros, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional e a garantia do direito ao recurso – o caso do arguido condenado em pena de pri- são efectiva por acórdão da Relação em revogação da absolvição de 1.ª Instância”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Joaquim de Sousa Ribeiro, volume I, Coimbra, 2019, p. 187). Resolver a apontada divergência em favor dos fundamentos do Acórdão n.º 595/18, evita, desde logo, a indesejável rigidez do parâmetro constitucional decorrente do caráter absoluto do direito ao recurso em qualquer situação de reversão da absolvição em 2.ª instância, que se prefiguraria particularmente desajustada

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