TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

608 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CP), na faculdade de requerer a substituição, total ou parcial, da pena de multa por prestação de dias de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º, n.º 1, do CP) ou na prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão [artigo 55.º, alínea d), do CP], para citar apenas algumas das possibilidades previstas na lei. Em contraste com a execução coativa das penas não detentivas, a execução da pena de prisão efetiva não pode ser condicionada por qualquer decisão adicional. Não existe qualquer outro meio de defesa ao dispor do condenado para impedir, atenuar ou sequer adiar a execução da prisão efetiva em que é definitivamente condenado. Por conseguinte, a ausência de possibilidade de recurso implica a imediata restrição forçada da sua liberdade o que demonstra o imperativo de se reconhecer ao condenado o direito ao recurso enquanto valor garantístico próprio – e único! – no quadro das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido. Ademais, tendo o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa, uma função primordial precisamente na prevenção da condenação injusta, não se exigindo dupla conforme na norma em apreço, a probabilidade de haver erro judiciário é naturalmente maior – ceteris paribus – do que nas situações em que a Relação confirma a decisão de primeira instância. 24. O desvalor constitucional que se identifica na impossibilidade de interpor recurso da condenação em pena de privação da liberdade proferida pelo tribunal de recurso em reversão da absolvição de 1.ª instância, não tem paralelo nos casos em que à revogação da sentença absolutória proferida em primeira instância se segue a aplicação de uma pena de multa. Diante destas circunstâncias, a compressão do conteúdo do direito ao recurso traduzida na impossibilidade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas na primeira decisão condenatória quando estas se saldam na imposição de uma pena de prisão representa um sacrifício dos direitos fundamentais do arguido de tal ordem que não encontra já fundamento suficiente no propósito em si legítimo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo, ainda que, no contexto em questão, a Constituição não atribua ao direito ao recurso uma prote- ção absoluta, negar ao arguido a possibilidade de se defender – ex post facto – desta decisão constitui uma afetação de tal modo relevante da posição da defesa que sempre exigiria, como contrapeso valorativo, a justificação num interesse público de relevo equivalente. […]” (itálicos e ênfase acrescentados). 2.2. Os excertos transcritos do Acórdão n.º 595/18, cujo sentido aqui retomamos, permitem traçar uma linha nítida que distingue as exigências de tutela, no estrito plano do direito ao recurso, perante decisões condenatórias em pena de prisão efetiva (independentemente da respetiva quantificação) das decisões con- denatórias em outras penas. As importantes ressalvas daquela decisão, bem como os fundamentos dos Acórdãos n. os 672/17 e 128/18, que naquele foram citados, reconduzem-se à ideia de que a gravidade intrínseca da pena privativa da liberdade impõe o afastamento da regra da irrecorribilidade da decisão condenatória do Tribunal da Relação subsequente à absolvição em primeira instância. 2.3. Contra aquela leitura jurídico-constitucional tem sido por vezes referido que “[…] nada na Consti- tuição estabelece uma indexação interna, no direito ao recurso, nos termos da qual o valor deste direito tenha mais peso quando o conteúdo de uma pena seja quantitativa ou qualitativamente mais ou menos grave, segundo critérios atinentes à intensidade da interferência da condenação na esfera de direitos fundamentais de que cada pessoa é sujeito” e “[…] nenhuma razão, maxime de racionalização do sistema e tutela da sua eficiência, se afigura suficientemente forte para impedir o reexame, por uma instância jurisdicional diferente da que tomou a decisão, pelo menos, da dimensão nova introduzida pela Relação, a saber, a determinação da pena e da respetiva medida concreta” (Acórdão n.º 31/20). 2.3.1. Dúvida não há de que, acolhendo os fundamentos do Acórdão n.º 31/20, o juízo de inconstitu- cionalidade nele afirmado relativamente aos casos de condenação em pena de multa, valeria, por idênticas

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=