TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
607 acórdão n.º 234/20 do princípio constitucional da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal, resulta que a pena de prisão é uma sanção que só deve ser aplicada como ultima ratio , em concretização da ideia essencial da reintegração social e socialização do arguido condenado – que a jurisprudência constitucional identifica, na falta de disposição constitu- cional expressa, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (artigos 1.º e 25.º, n.º 1) e das normas cons- titucionais constantes dos artigos 2.º, 9.º, alínea d) , e 18.º, todos da Constituição (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 336/08 e 427/09, ponto 4). As disposições em questão revelam igualmente que a Constituição é tributária de uma tradição humanista e liberal em matéria político-criminal que rejeita tanto a pena de morte (no que Portugal foi pioneiro), como a pena de prisão perpétua (artigos 24.º, n.º 2, e 30.º, n.º 1) e tem horror à privação injusta de liberdade. São emanações claras desse postulado de princípio a consagração expressa do mecanismo do habeas corpus e da indemnização por privação de liberdade ilegal (artigos 31.º e 27.º, n.º 5, da Constituição). 23. Esta distinção entre as penas privativas e não privativas da liberdade, aliás, resulta evidenciada em recentes acór- dãos do Tribunal Constitucional que se debruçaram sobre dimensões extraídas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, referentes a condenação em pena de multa. É o caso, designadamente, do Acórdão n.º 672/17, da 3.ª Secção, em que o Tribunal não julgou inconstitucional a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, perante a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de multa alternativa, atentando, no âmbito do estabelecimento das consequências jurídicas do crime subjacente a tal condenação apenas nos factos tidos por demonstrado na sentença absolutória, e o Acórdão n.º 128/18, da 1.ª Secção, que não julgou inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que, após decisão absolutória de 1.ª instância, condenem e apliquem pena de multa a arguida pessoa coletiva. Nestes acórdãos o Tribunal relevou as diferenças de que se reveste o processo decisório de aplicação de uma pena de prisão relativamente à aplicação de uma pena de multa (designadamente uma pena de multa alternativa ou uma pena de multa a uma arguida pessoa coletiva) e o reflexo que essas diferenças têm na possibilidade de ante- cipação da defesa do arguido, concretamente em sede de contra-alegações no recurso interposto da sua absolvição. Reconheceu que, tal como sucede nos casos de aplicação de uma pena de prisão efetiva, também nos casos de aplicação de uma pena de multa o direito ao recurso que ao arguido é constitucionalmente reconhecido, ao esgotar-se na garantia do duplo grau de jurisdição, fica limitado à faculdade de influir ex ante no juízo decisório que o Tribunal ad quem terá de desenvolver para fixar os termos da respetiva responsabilidade, sem contemplar a faculdade de impugnar o resultado de tal processo. O Tribunal considerou, porém, que nas situações então em apreço o arguido tivera ainda a possibilidade de influenciar a medida da pena através dos argumentos articulados no âmbito das contra-alegações ao recurso interposto da decisão absolutória proferida em primeira instância, uma vez que estava em causa apenas a fixação do número de dias da pena de multa e respetiva taxa diária. Em conformidade concluiu que, apesar de não corresponder à mais ampla ou eficaz modalidade de concretização do direito ao recurso, a verificação da possibilidade de condicionar esse juízo não coloca tal direito aquém do ponto constitucionalmente prescrito pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Diferentemente da condenação em pena de multa, no caso de condenação em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos definida pelo Tribunal da Relação, «a dimensão inovatória da decisão proferida por aquele Tribunal inclui, para além da determinação da medida concreta da pena aplicada, outros dois momentos, igualmente compreendidos no processo decisório pressuposto pelo estabelecimento das consequências jurídicas do crime: um momento anterior, caracterizado pelo afastamento da pena de multa alternativa, sempre que esta se encontrar prevista no tipo legal aplicável; e um momento posterior, coincidente com a opção de não substituir a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos por qualquer uma das penas de substituição previstas no Código Penal e aplicáveis ao caso. Tendo em conta a especial amplitude do juízo cuja revisibilidade é nestes casos excluída e, em particular, o facto de nela irem justamente implicadas ambas as operações jurídicas que, a montante e a jusante, conduziram a uma decisão de privação da liberdade, compreende-se que a mera possibilidade de influenciar o processo decisório que, em caso de revogação da decisão absolutória proferida em primeira instância, o Tribunal da Relação terá de levar a cabo para estabelecer as consequências jurídicas do crime, corresponda a uma concretização insuficiente ou deficitária das garantias de defesa do arguido incluídas no direito ao recurso» (cfr. Acórdão n.º 672/17, ponto 14). A diferença adensa-se se pensarmos na elasticidade que caracteriza a execução da pena de multa (ou mesmo qualquer pena não detentiva). Pense-se, v. g., na possibilidade de pagamento diferido da multa ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3, do
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