TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

594 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A norma objeto do recurso conduz, pois, a uma modelação do sistema do apoio judiciário desadequada “[…] à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos sufi- cientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial” (Acórdão n.º 98/04) e anula, de um modo injustificado, precisamente a dimensão prestacional que se procu- rou garantir. Basta pensar que, a aceitar-se como válida a interpretação posta em crise, qualquer pessoa sem meios económicos poderia ver-se constituída na obrigação de pagar à contraparte uma parcela das custas de parte reclamadas, bastando para tal que não obtivesse total vencimento na ação. Não sendo relevante se o valor a suportar é ou não elevado (questão que não integra, sequer, a dimensão normativa em causa), o que importa sublinhar é que a norma sub judice conduziria a uma evidente desi- gualdade material no acesso e na utilização do sistema de justiça, determinada pela condição económica dos litigantes, a que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição pretendeu obviar. Tanto basta para concluir por um juízo de censura jurídico-constitucional da norma objeto do recurso. 2.3. Prevê-se no artigo 80.º, n.º 3, da LTC: “[n]o caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em deter- minada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa”. Não é frequente o uso, pelo Tribunal Constitucional, da faculdade de fixação da interpretação norma- tiva conforme à Constituição, ciente de que tal interpretação compete, por regra, unicamente ao tribunal recorrido. Não obstante, hipóteses há em que tal fixação se revela particularmente útil para (re)conduzir o processo (e a decisão final a proferir no mesmo, pelo tribunal recorrido) ao melhor resultado. Assim, pode ler-se no Acórdão n.º 401/17 (ponto 16) que “[…] uma decisão interpretativa a emitir ao abrigo do artigo 80.º, n.º 3, da LTC [é] justificada nas situações em que, não obstante se conclua pela inconstitucionalidade do sentido normativo relevante para a decisão da situação sub judicie , se verifique que o preceito legal em causa comporta ainda uma outra interpretação (conforme à Constituição), em razão do elemento teleoló- gico da norma em causa e que encontre na sua formulação um mínimo de correspondência verbal (sendo, assim, verdadeira interpretação e não a criação de uma norma para o caso)”. Ou, como se refere no Acórdão n.º 267/17 (ponto 9.): “[…] No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depu- radora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitu- cional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais. […]” (itálico acrescentado). Admitindo que se trata de uma solução excecional, “[…] uma vez que, em certo sentido, implica que o Tribunal Constitucional se substitua aos tribunais comuns na interpretação das normas jurídicas por aqueles aplicadas nas decisões concretas […]”, o Tribunal, no Acórdão n.º 331/16, salientou que um dos casos em que se justifica o recurso ao mecanismo previsto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC é aquele em que esteja em causa “[…] uma interpretação que claramente a letra da lei não comport[e]” (ponto 3.). Há, pois, que indagar da viabilidade de uma decisão interpretativa nos presentes autos, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, como sucedeu, v. g. , nos Acórdãos n. os 106/16, 545/14, 544/14, 132/18 e 11/19, para citar alguns exemplos recentes.

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