TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
593 acórdão n.º 233/20 (aquele que está em causa nos presentes autos) compreende “[…] a dispensa de pagamento de taxa de justiça e de outros encargos com o processo e as custas de parte ” (itálico acrescentado). Na decisão recorrida, entendeu-se o contrário – que o beneficiário apenas se encontra dispensado do reembolso à contraparte do valor da taxa de justiça e de encargos suportados por esta, devendo reembolsar o valor das demais custas de parte. Do atrás exposto retira-se, desde logo, que a leitura feita pelo tribunal recorrido dos artigos 533.º, n.º 1, do CPC e 26.º, n.º 6, do RCP não é unilateral. No entanto, porque não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o percurso hermenêutico da decisão recorrida (à partida – vide item 2.3., infra ; cfr., ainda, o Acórdão n.º 132/18, especialmente no ponto 2.4. da respetiva fundamentação), importa questionar, antes de mais, se essa interpretação viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. 2.2. Tendo presente os caracteres essenciais da norma do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, sumaria- mente traçados no ponto anterior, a incompatibilidade entre a construção interpretativa que origina a norma sub judice e aquele preceito da Lei Fundamental é evidente. A atribuição do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo traz implícito o reconhecimento, resultante do correspondente procedimento admi- nistrativo, de que o requerente “[n]ão tem condições objetivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo” [artigo 8.º-A, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho]. Esta condição objetivamente demonstrada coloca especiais exigências ao legislador. Na síntese do Acór- dão n.º 602/06: “[…] Está, constitucionalmente, consagrado o princípio de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegado por insuficiência de meios económicos (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental). Variada tem sido a jurisprudência deste Tribunal emitida a respeito de um tal princípio. Assim, e sempre enfrentando problemas em torno de normas (ou interpretações normativas) de onde resulte uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de acesso à justiça motivada pela obrigação de pagamento de determinadas quantias condicionadoras do exercício do acesso ao direito e aos tribunais, têm sido múltiplos os juízos formulados a este respeito por este órgão de administração de justiça. O fio condutor dessa jurisprudência, que não tem deixado de sublinhar que a garantia que decorre do n.º 1 do art. 20.º do Diploma Básico não pode ser perspetivada como «uma mera ou simples afirmação proclamatória», poderá ser condensado nas palavras utilizadas no Acórdão n.º 30/88 (in Diário da República, I Série, de 10 de fevereiro de 1988), citando o Parecer n.º 8/87 da Comissão Constitucional, e segundo as quais a Constituição deveria ter-se “por violada sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico-económico em vigor para o aceso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa”, pois que aquele diploma fundamental “indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais”, propõe-se ‘afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça’ . […]” (itálico acrescentado). Ora, impor o pagamento de uma qualquer quantia a quem viu atestada, pelos meios legalmente previs- tos para o efeito, a impossibilidade de suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo constitui uma violação flagrante da proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos (artigo 20.º, n.º 1, parte final, da Constituição). Não é relevante que a imposição deste encargo económico aconteça no termo da ação, após a decisão final, pois o mero risco de ver constituída uma obrigação que não poderiam suportar inibiria os cidadãos de recorrer à justiça, efeito de sinal fortemente contrário à proteção consagrada no referido artigo 20.º, n.º 1.
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