TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
591 acórdão n.º 233/20 Ou seja, atualmente, as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (cfr. artigo 26.º, n.º 2, do RCP), sem mediação do Estado, assumindo a parte vencedora o ónus de reclamar esse pagamento, mediante entrega da nota justificativa e, na falta de pagamento voluntário, propor a correspondente ação executiva para cobrança coerciva dessas custas. É lícito concluir que o risco de incumprimento é significativamente superior ao que subjaz às situações em que, beneficiando a parte vencida de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a parte vencedora é reembolsada, pelo Instituto de Gestão Financeira, dos montantes avançados a título de taxa de justiça. 6. O acesso aos tribunais rege-se, por seu turno, por uma série de coordenadas constitucionais, reveladas com o auxílio da jurisprudência deste Tribunal, e que a agora importa recordar. Em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, não importa um direito de litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade de acesso à justiça. Contudo, os custos do acesso aos tribunais não devem ser de tal modo onerosos que dificultem, em concreto, o efetivo exer- cício desse direito. Para tanto, impõe-se não apenas a remoção, através do sistema do apoio judiciário, das incapacitações causadas por insuficiência de meios por parte dos cidadãos mais carenciados, mas também a fixação das taxas de justiça em valores não excessivamente gravosos para o universo daqueles que não estão dispensados do pagamento (cfr., neste sentido, os Acórdãos n. os 352/91, 301/09, 347/09, 674/14, […]). Nisto consiste, aliás, a especial pluridimensionalidade e versatilidade do direito de acesso ao direito, porquanto, não se reduzindo a uma posição subjetiva relativamente a um comportamento negativo do Estado, implica ainda para este o dever de “pôr à disposição das pessoas as instituições e procedimentos que garantam a efetividade da tutela jurisdicional efetiva” (cfr. o Acórdão n.º 347/09, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Trata-se de uma tarefa em que assiste ao legislador ampla liberdade de conformação, limitada, porém, pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade (vide artigos 2.º e 13.º da Constituição), através dos quais é possível assegurar o “equilíbrio interno do sistema” (cfr. os Acórdãos n. os 467/91, 1182/96 e 678/14, […]). Em matéria de custas processuais, o Tribunal tem, aliás, reiterado uma ‘especificação analítica’ que passa pelo respeito por três exigências: equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício”, responsabilização de cada parte pelas custas de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do pro- veito retirado da intervenção jurisdicional, e o ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respetiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes (cfr. os Acórdãos n. os 608/09 e 301/09, […]). Esta ‘mecânica’ traduz, no fundo, a pluralidade funcional a que se acha sujeita a questão das custas, condicionada pela necessidade de sopesar o direito de acesso universal aos tribunais, a igualdade tributária e o recurso à ‘justiça’ enquanto bem escasso que comporta custos extremamente elevados para a comunidade. […] Desde logo, a situação daquele que litiga contra beneficiário de apoio judiciário não é objetivamente idêntica, do ponto de vista do princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, à situação daquele que litiga contra pessoa que não beneficia daquele apoio. Como vimos, à posição do segundo inere o risco, introduzido pelo Código das Custas Judiciais e que se mantém com a legislação atualmente em vigor, de não pagamento, pela parte vencida, das quantias elencadas na nota de custas, entre elas, da própria taxa de justiça. Tal risco é significativa- mente menor na primeira hipótese, porquanto, não obstante as restrições quanto ao que pode ser reembolsado, o pagamento da taxa de justiça da parte vencedora é sempre assegurado pelos cofres do Estado. Por outras palavras, se litigar é sempre uma ‘atividade arriscada’, sobretudo pelos custos que comporta e pela incerteza quanto ao resultado da lide, é também certo que essa escala de risco comporta diversas nivelações, havendo de reconhecer- -se que ser-se parte vencedora num processo em que a parte vencida litiga com apoio judiciário acaba por revelar algumas especificidades diferenciadoras – algumas delas negativas, outras nem sempre prejudiciais para aquele que teve ganho de causa. Daí que não seja possível sustentar que a opção do legislador é intolerável ou inadmissível, procurando-se com a diferenciação de tratamento introduzida, atenta a diferença entre as situações, conciliar considerações associadas ao
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