TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
589 acórdão n.º 233/20 II – Fundamentação 2. Está em causa, nos presentes autos, a norma constante do artigo 533.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o artigo 26.º, n.º 6, do RCP, na interpretação segundo a qual a parte vencida que litiga com benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo apenas se encontra dispensada do reembolso à contraparte do valor da taxa de justiça e de encargos suportados por esta, devendo reembolsar o valor das demais custas de parte. Importa, pois, começar por enquadrar o problema no plano jurídico-constitucional. 2.1. É vasta a jurisprudência constitucional em matéria de apoio judiciário. Como se afirma no Acórdão n.º 11/19: “[…] 6. O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Como se escreveu no Acórdão n.º 98/04, deste Tribunal, «não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses». O sistema do apoio judiciário visa concretizar o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, garantindo a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesse legalmente protegidos», e estabelecendo que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos. Esta garantia é imprescindível à proteção dos direitos fundamentais e, como tal, inerente à ideia de Estado de direito: sem prejuízo da sua natureza de direito prestacionalmente dependente e de direito legalmente confor- mado, a Constituição assegura a todos que não se pode ser privado de levar a respetiva causa à apreciação de um tribunal (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, anotação I ao artigo 20.º, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 408). Além disso, o conteúdo deste direito não pode ser esvaziado ou praticamente inutilizado por insuficiência de meios económicos. Se os serviços de justiça não têm de ser necessariamente gratuitos, também não podem ser «tão onerosos que dificultem, de forma considerável, o acesso aos tribunais», pelo que «os encargos [com tal acesso terão] de levar em linha de conta a incapacidade judiciária dos economicamente carecidos e observar, em cada caso, os princípios básicos do Estado de direito, como o princípio da proporcionalidade e da adequação» (v. idem , ibidem , anotação VI ao artigo 20.º, p. 411). Nesta perspetiva, a concessão de proteção jurídica garantidora do direito de acesso aos tribunais corresponde a uma dimensão prestacional de um direito, liberdade e garantia (v. idem, ibidem); não a uma simples refração do direito à segurança social (cfr. idem, ibidem, p. 412). Tratando-se de um instrumento jurídico-financeiro que dá cumprimento à dimensão «prestacional» compreen- dida naquele direito fundamental, deve cumprir a função constitucional de «garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados», como tem sido reconhecido em vários momentos pelo Tribunal Constitucional (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n. os 433/87 e 352/91). Mas se é assim, temos que a igualdade de oportunidades no acesso à justiça que releva é uma igualdade material referida aos elementos pertinentes do sistema de justiça que são suscetíveis de impedir ou dificultar a motivação do cidadão de recorrer a ela, na defesa dos seus direitos e interesses legítimos, decorrendo, desde logo, do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
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