TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

580 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entendimento de que conferir ao arguido, mas já não ao assistente, o direito a recorrer na mesma fase proces- sual, não se revela, só por si, uma solução arbitrária suscetível de consubstanciar uma violação daquele prin- cípio constitucional. Desde logo porque é admissível dar um tratamento normativo diverso a duas realidades distintas. Para além disso, a situação é justificável em nome dos direitos de proteção do arguido em processo penal e do princípio da celeridade da justiça. A Constituição não determina a igualdade em matéria do direito ao recurso do arguido e do assistente. Do artigo 32.º, n.º 7, da Constituição, que estatui que o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei, não decorre uma equiparação do estatuto processual do assistente ao do arguido. É, de resto, por essa razão que, a questão da admissibilidade do recurso pelo assistente tem de ser perspetivada no qua- dro do artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental, uma vez o disposto no n.º 1 do artigo 32.º não se lhe aplica (neste sentido vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/02, 1.ª Secção, ponto 10.5., n.º 464/03, 3.ª Secção, ponto 6, n.º 399/07, 3.ª Secção, ponto 2, n.º 153/12, 1.ª Secção, ponto 5, n.º 540/12, Plenário, ponto 3, e n.º 296/17, 3.ª Secção, ponto 9). Como de há muito foi sublinhado pelo Tribunal, no Acórdão n.º 132/92, da 2.ª Secção, ponto 9: «(…) o princípio da igualdade de armas não é um princípio absoluto em processo penal, e, portanto, só tem de ser aplicado, em toda a sua plenitude, para nivelar a posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de defesa, e em favor da mesma defesa. Isto, sem prejuízo de se constatar que os ventos da moderna politica criminal vão hoje no sentido de conceder uma particular atenção à tutela dos direitos da vítima. (…) Mas em lado nenhum se ousa postular a necessidade de, em defesa da vítima, se lhe atribuir uma posição exa- tamente igual à do arguido em matéria de recursos penais» Na síntese do Acórdão n.º 540/12, tirado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, ponto 3: «A inserção do direito ao recurso em processo penal no complexo de garantias que integram o direito de defesa do arguido já levou o Tribunal a entender que não violam o princípio da igualdade disposições processuais que regulem, em termos divergentes para o arguido e para o assistente e, em geral, para a acusação e a defesa, a possibili- dade de recorrer de determinada decisão judicial. OTribunal não julgou inconstitucional a norma do artigo 646.º, n.º 6, do Código de Processo Penal de 1929, interpretada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de maio de 1987, na parte em que dispunha não haver recurso dos acórdãos absolutórios das Relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correcional, por parte do assistente e do Ministério Público, sendo certo que tal não era vedado ao arguido relativamente a acórdãos condenatórios (Acórdão n.º 132/92 […]). O princípio da igualdade no âmbito do processo criminal tem de ser perspetivado em consonância com a espe- cífica natureza de um processo que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, “podendo significar aí, não que os sujeitos do processo devam ter estatutos processuais absolutamente idênticos e paritários, simetricamente decal- cados, mas essencialmente que o arguido poderá, por vezes, beneficiar de um estatuto formalmente «privilegiado», como forma de compensar uma presumida fragilidade ou maior debilidade relativamente à acusação, no confronto processual penal”. O que significa também que “o arguido não deve ter menos direitos do que a acusação, mas não que não possa ter mais” (Lopes do Rego, “Acesso ao direito e aos tribunais”, Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, pp. 76 e 70 e seguintes, com especial referência ao Acórdão n.º 132/92, e à declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 8/87 pelo Conselheiro Vital Moreira […]). Em geral, é de concluir que, “dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa”, há “uma orientação do processo penal para a defesa”, que o vincula a assegurar todas as garantias, o que vale por dizer que é um processo que tem nos direitos do arguido “um limite infrangível” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32.º, ponto II. e, ainda, Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 54/87, 150/87

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