TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL reapreciasse. Neste contexto, as formas de racionalização de acesso ao STJ não podem implicar o sacrifício dos direitos fundamentais do arguido. Por estes motivos, o Tribunal Constitucional concluiu, no mencionado Acórdão n.º 429/16, pela inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoria- mente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não supe- rior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea  e) , do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Desta forma, o Tribunal pôs termo à oposição de julgados, acima sublinhada, sem prejuízo de terem sido computados vários votos divergentes, cujos fun- damentos serão explorados mais à frente. 8. Em 2018, em nova decisão sobre a matéria, o Plenário do Tribunal, no Acórdão n.º 595/18, após pedido do representante do Ministério Público ao abrigo dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º da LTC, por ter verificado em pelo menos três casos concretos o juízo de inconstitucionalidade da dimensão normativa em questão, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma anterior- mente citada, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. A primeira nota substancial desse aresto diz respeito à extensão do julgamento de inconstitucionalidade. O que se examinou foi a compatibilidade com a Constituição da reversão de uma decisão absolutória em primeira instância pelo Tribunal da Relação, originando uma condenação em pena de prisão efetiva (ponto 6). Neste enquadramento, consta do acórdão que o “direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal” e está “expressamente inscrito entre os pilares constitucionais do Direito do Processo Penal da República Portuguesa” (ponto 12). No mesmo sentido do Acórdão n.º 429/16, o Acórdão n.º 595/18 sustentou a distinção entre as figu- ras do direito ao recurso e do duplo grau de jurisdição, na medida em que, nos termos do dito aresto “se o direito ao recurso pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, pode não se bastar com ele”. Uma interpretação que confunda ambas será, pois, uma interpretação restritiva do direito previsto no artigo 32.º, n.º 1, in fine , da Constituição ao diluir “o valor próprio e autónomo que a Constituição reconhece” ao recurso (ponto 14). Ora, é verdade que o direito ao recurso deve harmonizar-se com os imperativos de celeridade e eficiência da administração da justiça, sem que, no entanto, as limitações que sobre ele recaiam possam ocasionar uma ablação total desse direito fundamental e interferir no conteúdo essencial que ele comporta. O legislador, no âmbito da sua legítima margem de atuação, pode, portanto, encontrar fórmulas que restrinjam as hipóteses de recurso em matérias relativamente às quais tal se afigure supérfluo ou passível de excessos, através da mani- pulação de vias recursais, mas não pode afetar a natureza dessa garantia a ponto de inviabilizar a sua fruição, sempre que ela seja decisiva para o exercício da defesa individual. Por isso, “a proibição de recurso contida na norma em análise sempre deverá ser considerada uma concretização insuficiente das garantias de defesa do arguido” (ponto 18, Acórdão n.º 595/18), em especial quanto às penas de prisão, que conformam a mais profunda restrição de direitos fundamentais no nosso sistema jurídico. Em síntese, afirma o Acórdão citado, apesar de o direito ao recurso não ser absoluto, a compressão do seu conteúdo a ponto de tornar inviável o arguido poder defender-se ex post factum , “traduzida na impos- sibilidade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas na primeira decisão condenatória, quando estas se saldam na imposição de uma pena de prisão, representa um sacrifício dos direitos funda- mentais do arguido de tal ordem que não encontra já fundamento suficiente no propósito, em si legítimo, de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça”. Nestes termos, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, ino- vadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea  e) , do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

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