TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

571 acórdão n.º 232/20 todas as situações (igualdade formal). Proíbem-se, sim, diferenciações de tratamento arbitrárias e, portanto, não baseadas numa distinção objetiva de situações (…). PP. Mas proíbem-se também diferenças de tratamento que, ainda que baseadas em situações que são objetiva e materialmente diferentes, sejam de tal modo diferentes que violem o núcleo essencial do princípio da igual- dade porque implicam restrições desproporcionais deste princípio fundamental. QQ. Ou seja, podem (e devem) existir tratamentos desiguais quando as situações são materialmente desiguais, não pode é a desigualdade de tratamento ultrapassar a “medida” da desigualdade material das situações que a justificam. RR. Arguido e Assistente, têm assim, como não poderia deixar de ser, estatutos processuais diferentes dado que a sua situação é, também ela, materialmente diferente. SS. O que consideramos é que, bem vistas as coisas, a medida da diferença consagrada pelo legislador ordinário viola o princípio da igualdade pelo facto de restringir em excesso aquele que é um direito, liberdade e garantis dos sujeitos intervenientes no processo penal – o direito ao recurso! TT. Além disso, consideramos que os normativos constantes dos artigos 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. d) do Código Processo Penal violam claramente o direito fundamental estabelecido no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa – O Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva. UU. Os art. os 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (doravante DUDH) proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Paris a 10 de Dezembro de 1948 e cuja importância determinou que fosse traduzida em mais de 500 idiomas. VV. Conjugando o disposto nas duas normas que acabamos de referir, é notório, como bem afirma Gomes Cano- tilho, que “O acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportu- nidades” (…). WW. Também na ordem jurídica internacional, importa considerar os art. os 6.º, 13.º e 14.º, todos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (inicialmente designada Convenção Europeia dos Direitos do Homem), concluída em Roma em 1950, com início de vigência na ordem jurídica internacional em 1953 e em Portugal em 1978. XX. Assim, um processo justo integrará uma diversidade de direitos individuais que procuram assegurar a correta administração da justiça desde o momento da suspeita até ao momento da execução da sentença (…). YY. Note-se ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem deixado bem claro, nas suas decisões, que o “direito a um processo equitativo ocupa um lugar proeminente numa sociedade democrática, pelo que não serão admitidas interpretações restritivas deste direito” (…). ZZ. Nesse sentido, a Proibição de Discriminação, tanto o tratamento diferenciado sem justificação de duas situa- ções análogas, como também o tratamento diferenciado com base em características de determinadas pessoas/ grupos sem que exista proporcionalidade entre o fim visado e os meios utilizados. AAA. E é precisamente a violação do Princípio da Proporcionalidade ( latu sensu ) que se considera ocorrer quando os art.ºs 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. d) do Código Processo Penal coartam o Direito ao Recurso por parte dos Assistentes. BBB. No caso em apreço foi violado o direito à integridade pessoal de crianças de dois e três anos em que é Arguida a sua Educadora de Infância. CCC. O art.º 19.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é um tratado internacional, aprovado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificado por 196 países, que visa proteger a criança. DDD. Essa especial proteção a assegurar à criança encontra respaldo no nosso Código Penal, nomeadamente agra- vando-se a pena em razão da especial vulnerabilidade da vítima, entre outros, em função da sua idade, como previsto no art.º 152.º-A para o crime de maus tratos. EEE. O que não parece (de todo) que esteja assegurado é o direito da criança a uma tutela jurisdicional efetiva, quando em sede de processo penal, não se permite a interposição de recurso relativa a uma decisão absolutória

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