TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

57 acórdão n.º 31/20 tribunal de primeira instância tivesse aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal. Deste modo, as alterações legislativas tiveram por propósito uma tentativa de superação da inconstitucionalidade fundada em tal parâmetro. No entanto, como afirma o Acórdão n.º 429/16, “ao adicionar a irrecorribilidade a condenações em penas de prisão efetiva até cinco anos, a alteração de 2013 ao CPP reacendeu a problemática de saber se, dentro do atual enquadramento constitucional, a norma que impede o recurso do arguido de acórdão pro- ferido pela Relação que o condena em pena de prisão não superior a cinco anos, na sequência de absolvição em primeira instância, assegura devidamente as suas garantias de defesa em processo penal, nomeadamente o direito ao recurso do arguido” (ponto 12, in fine ). Nesse sentido, o aresto do Plenário esclarece que, do lado oposto ao Acórdão n.º 412/15, que julgou inconstitucional a norma, estão os Acórdãos n. os 49/03, 682/06 e 163/15, onde se proferiram decisões de não inconstitucionalidade, “porque o acórdão da relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso, já que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da Relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa”, e  se considerou que “estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a pos- sibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões con- denatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada” (ponto 13; cf. ponto 5 do Acórdão n.º 49/03). Com efeito, o entendimento do Tribunal assentava então na premissa segundo a qual a apreciação do processo por tribunais de diferentes graus garante suficientemente os direitos de defesa com proteção constitucional, de tal forma que a limitação ao direito de recurso não configurava uma violação do disposto na CRP. Não contestando a conformidade constitucional de condicionar o acesso ao STJ, a fim de assegurar que os processos tenham decisões em tempo útil, o Acórdão n.º 429/16 assevera que “tal não deve, todavia, ser alcançado à custa do sacrifício do conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido” (ponto 15) e que há uma distinção entre direito ao recurso e duplo grau de jurisdição, na medida em que o primeiro comporta o reexame de uma decisão desfavorável à parte vencida e o segundo abrange a possibilidade de tal reexame ser levado a efeito por um órgão jurisdicional distinto e hierarquicamente superior ao do juízo originário. O primeiro tem expressa previsão constitucional; o segundo não está referido. Por esse motivo, os direitos cons- titucionais de defesa são autónomos e não podem confundir-se com os graus de jurisdição. Ainda que haja um entrelaçamento entre ambos, da existência do duplo grau de jurisdição não se deduz automaticamente o direito ao recurso, que tem um valor próprio e destacado ao abrigo do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição. Como afirma o aresto em análise, “a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota, por- tanto, na existência de duplo grau de jurisdição”. Na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, impõe-se assim que “a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto se apresente como tutela sufi- ciente das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Ou seja, assumindo a Constituição o direito ao recurso do arguido como integrando as suas garantias de defesa, a liberdade conformadora do legislador na definição da recorribilidade das decisões judiciais e do regime de recursos em processo penal não pode deixar de encontrar como limite aquele direito” (ponto 16). Ora, qual é então a conformação desse limite? A própria jurisprudência do Tribunal indica que é o conteúdo essencial das garantias de defesa, do qual faz parte o direito de recorrer de decisões condenatórias. Isto porque somente após a prolação da decisão condenatória  poderá o arguido dela recorrer. Antes disso, é-lhe impossível recorrer de uma condenação que ainda não existe. Daí decorre, na expressão do Acórdão n.º 429/16, que se trata de uma “situação em que as garantias de defesa exigem o acesso a uma nova ins- tância” (ponto 20). Caso contrário, estaríamos perante a supressão dos direitos constitucionais de defesa, especificamente, do direito ao recurso, o que conduziria a que os critérios que presidiram à escolha da pena e à determinação da sua medida concreta adquirissem definitividade, sem fiscalização jurisdicional que os

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