TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
559 acórdão n.º 231/20 6. Assim acontece com a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional. O princípio da legalidade criminal, consagrado nos n. os 1, 3 e 4 do artigo 29.º da CRP, tem por função garantir que os cidadãos não fiquem sujeitos ao arbítrio e aos excessos do poder punitivo do Estado. Traduzindo-se o seu conteúdo essencial em não poder haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, estrita e certa, a liber- dade pessoal dos cidadãos fica assim garantida perante intervenções estaduais que não se contenham dentro de um círculo de atuação estritamente delimitado. A garantia pessoal de não punição fora do domínio da legalidade, que a CRP inclui no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, não se basta com a existência de lei prévia que defina os pressupostos da responsabilidade criminal, exige ainda que a lei especifique suficientemente os factos que cons- tituem o tipo legal de crime e o tipo de pena que lhe cabe. Neste sentido, o princípio da legalidade, na qualidade de parâmetro constitucional, impõe que a norma penal seja precisa e determinada. Como refere Figueiredo Dias, “importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a condutas dos cidadãos” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 174). (…) 7. Nos demais domínios sancionatórios, como no direito de mera ordenação social e no direito disciplinar, a exigência de tipicidade não se faz sentir com a intensidade que tem no direito criminal. Com maior frequência os enunciados legislativos exprimem-se aí através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumerações exem- plificativas. É a diferente natureza dos ilícitos que justifica nesses direitos um certo “amolecimento” do princípio da legalidade: enquanto o tipo legal de crime descreve uma conduta que expressa imediatamente um certo desvalor jurídico-criminal, um certo juízo de ilicitude, o tipo contraordenacional (ou o tipo disciplinar) descreve uma conduta que, independentemente da decisão legislativa de a proibir, não é substrato idóneo do juízo de desvalor próprio da ilicitude. Daí que nestes tipos de ilícito, o importante para a salvaguarda da lex certa não seja a conduta em si mesmo considerada, mas a regra legal que a proíbe ou que imponha o dever que seja objeto de violação ou ofensa. Por isso, a especificação dos factos sancionáveis e a individualização dos seus elementos típicos pode não ter o mesmo grau de determinação e precisão que aquele que é constitucionalmente exigido às normas penais. O direito penal, pela sua lógica da ultima ratio , naturalmente que é muito mais exigente e rigoroso na indicação dos factos ilícitos e das sanções do que o direito de mera ordenação social. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a sublinhar que a exigência de determinabilidade do tipo que predomina no direito criminal não tem que ter a mesma rigidez e a mesma densidade no domínio con- traordenacional. Diz-se no Acórdão n.º 41/04 que a “Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediata- mente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo par- lamentar que atribui aos crimes”; e nos Acórdãos n. os 397/12 e 466/12 conclui-se que “não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal”.» Sem prejuízo – salienta-se ainda no Acórdão n.º 76/16, ponto 7: «(…) a maior abertura dos tipos contraordenacionais causada pela utilização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados não significa uma total ausência de determinação normativa. A norma ou conjunto das nor- mas tipificadoras não podem deixar de descrever com suficiente clareza os elementos objetivos e subjetivos do núcleo essencial do ilícito, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Daí que só seja admissível uma “relativa indeterminação tipológica” que não saia da “órbitra daquilo que razoavelmente pode exigir-se em rigor descritivo ou limitativo, de modo a não esvaziar de conteúdo a garantia consubstanciada naqueles princípios” (Acórdão n.º 338/03). Exige-se, pois, um “mínimo de determinabi- lidade” das condutas ilícitas, de molde a que as decisões sancionatórias associadas sejam previsíveis e objetivas e não arbitrárias para os seus destinatários, que haja segurança na sua identificação e, consequentemente, quanto à sanção aplicável. A exigência de um mínimo de determinabilidade que permita identificar os comportamentos descritos
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