TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito. (…)”» E, conclui-se no mesmo Acórdão n.º 297/16, ponto 14: «(…) não obstante a aplicação de tais princípios no domínio contraordenacional, é de salientar que com base na inelutável diferença entre os ilícitos penais e contraordenacionais, seja por referência aos valores e bens jurídicos tutela- dos, seja face à diversa ressonância ética dos ilícitos, seja por atenção ao tipo de cominação que lhes é associado – pena ou coima, neste caso com afetação do património, mas não da liberdade –, foi construída pela nossa jurisprudência constitucional uma linha de orientação que aponta no sentido de não se terem por automaticamente aplicáveis os princípios constitucionais de direito penal às contraordenações, de não se mostrarem esses princípios, quando apli- cáveis, dotados da mesma intensidade e exigência em matéria de contraordenações e de, em consequência, se aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrático quando versa sobre o direito contraorde- nacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal.» Na mesma linha, o Acórdão n.º 76/16, da 3.ª Secção, no ponto 7, sublinhou que «nos tipos contraor- denacionais, a exigência de lex certa não será prejudicada com a identificação dos ilícitos mediante conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais se for razoavelmente possível a sua concretização através de critérios lógicos, técnicos ou da experiência que permitam prever, com segurança suficiente, a natureza e as características essenciais das condutas constitutivas da infração tipificada». Refere-se ainda no mesmo Acór- dão, nos pontos 5 a 7: «O direito de mera ordenação social é um direito sancionador, que permite à Administração participar no exercício do poder punitivo estadual, aplicando penalidades aos administrados, o que significa que esse direito e esse poder, enquanto emanação do jus puniendi , estão matizados pelos princípios e pelas regras “penais”. Por isso, há de admitir-se que os princípios constitucionais do direito penal possam influenciar os direitos sancionadores que derivam da mesma matriz. (…) Assim, os princípios com relevo em matéria penal, como os da legalidade, da culpa, non bis in idem , da não retroatividade, da proibição dos efeitos automáticos das penas, da proibição da trans- missão da responsabilidade penal, podem estender-se ao domínio contraordenacional, até porque são derivados de princípios do Estado de direito e da segurança jurídica, nomeadamente sob o seu aspeto de proteção da confiança, princípios constitucionais de validade fundamentante da ordem jurídica. (…) A submissão do direito das contraordenações às garantias essenciais do direito penal, isto é, às garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos, não significa que as normas e princípios constitucio- nais em matéria penal tenham que ser aplicadas ao domínio contraordenacional com a mesma intensidade e com as mesmas exigências. A indiferença ético-social das condutas que integram as contraordenações coloca diferente grau de exigência ao legislador ordinário na configuração dos respetivos ilícitos, já que não se trata de prevenir ou reprimir condutas ofensivas de bens jurídico-constitucionais, independentemente da sua proibição legal, mas sim de advertir ou admoestar a inobservância de certas proibições ou imposições legislativas. Para efeitos de distinção entre ambos os ilícitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem seguido fundamentalmente os critérios da ressonância ética e dos diferentes bens jurídicos em causa (Acórdãos n. os 158/92, 344/93, 469/97, 461/11, 537/11, 45/14 e 180/14). E com fundamento na diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções, tem considerado que os princípios constitucionais com relevo em matéria penal não valem com a mesma extensão e intensidade no domínio contraordenacional. Não obstante estar consolidado na jurisprudên- cia constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, tem-se decidido reiteradamente que os princípios que orientam o direito penal não são automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social (Acórdãos n. os 344/93, 278/99, 160/04, 537/11 e 85/12).
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