TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
553 acórdão n.º 231/20 que estes apelidaram a recorrida de “empresa fantasma” e de o seu serviço de atendimentos telefónico ser “pura e simplesmente, inexistente”; s) Como se compreende, estamos no domínio da pura subjetividade e discricionariedade na interpretação e apli- cação de conceitos – o que se tem por totalmente inaceitável, mesmo no domínio contraordenacional; t) Aceitar-se a tese da ERSE – e sufragada pelo Recorrente do presente recurso de constitucionalidade – de que o concento de “atendimento telefónico eficaz” comporta o mínimo de determinação para que o agente possa orientar a sua conduta e não infringir a respetiva obrigação, seria o mesmo que aceitar-se uma contraordenação que, por exemplo, punisse todo o condutor que não cumprisse a obrigação de ter uma “condução exemplar”; u) Como se percebe, uma norma com tal conteúdo seria absolutamente chocante dado ser simplesmente impos- sível definir, com algum mínimo grau de objetividade, o que corresponderia a uma “condução exemplar”; v) Ora, o caso vertente não é diferente: não é possível definir com qualquer mínimo de rigor o que seja um “aten- dimento telefónico eficaz” de modo a que os operadores possam orientar as suas condutas em ordem a não praticarem a respetiva infração; w) Em suma, atendendo à indeterminação do conceito de “sistema de atendimento telefónico eficaz” e à insuscep- tibilidade de o mesmo ser concretizado e aplicado, deve concluir-se que as normas contidas no n.º 3 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 25.º do RQS-GN e no n.º 1 do artigo 31.º do RQS-SE, são violadoras do princípio da tipicidade dos ilícitos de mera ordenação social e, por decorrência, do princípio constitucional da legalidade, e das exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, previstos no artigo 2.º da Constituição, motivo determinante para as mesmas terem que ser desaplicadas no caso con- creto, tal como concluiu acertadamente a sentença recorrida.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação a) Questão prévia 4. Nas alegações que apresentou (fls. 1665 e seguintes) a recorrida alega que a norma objeto do presente recurso de inconstitucionalidade já não se encontra em vigor uma vez que foram revogados os dois regu- lamentos que continham os preceitos de onde esta decorria – o Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor do Gás Natural (RQS-GN), aprovado pelo Regulamento n.º 139-A/2013 da ERSE, publicado na 2.ª série do Diário da República , de 16 de abril de 2013, e o Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor da Eletricidade (RQS-SE), aprovado pelo Regulamento n.º 455/2013 da ERSE, publicado na 2.ª série do Diá- rio da República , de 29 de setembro de 2013. Estes regulamentos foram, efetivamente, revogados pelo n.º 3, alíneas a) e b) , do Regulamento n.º 629/2017 da ERSE, publicado na 2.ª Série do Diário da República , de 20 de dezembro de 2017, que aprovou em anexo o Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor Energético e do Setor do Gás Natural (RQS-SE-GN/2017). A recorrida alega que este Regulamento apresenta um regime mais favorável por, apesar de manter a obri- gação de os sistemas de atendimento telefónico serem dimensionados para assegurar e manter um «atendimento telefónico eficaz», o cumprimento deste desiderato passou, no entanto, a ser objetiva e quantitativamente ava- liável, designadamente através da fixação de um padrão para a aferição do cumprimento do indicador do tempo de espera no atendimento telefónico comercial o qual foi fixado em 85%. De acordo com a recorrida, a introdução deste padrão permite agora avaliar objetiva e quantitativamente se o atendimento telefónico de um comercializador é ou não eficaz. Sustenta, assim, que, sendo aplicável o princípio da aplicação da lei sanciona- tória mais favorável, plasmada no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a decisão administrativa não poderá ser mantida na ordem jurídica o que torna supervenientemente inútil a discussão e a decisão sobre a inconstitucionalidade das normas regulamentares em que a mesma se ancorou.
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