TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como vimos (cfr., designadamente, os itens 2.3.2. e 2.3.4., supra ), a norma do artigo 3.º do Decreto- -Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, regula uma dimensão processual secundária , eventual (a impugnação admi- nistrativa só é “necessária” enquanto pressuposto de impugnação contenciosa, mas ela própria é eventual), posterior à decisão administrativa tomada pelo órgão com competência disciplinar (que é apta a tornar-se definitiva, se não for impugnada), traduz uma imposição que, apesar de operar como condição da impugnação contenciosa, não a restringe (no sentido em que qualquer visado pelo processo disciplinar se encontra em posi- ção de, querendo, satisfazer a condição), e não impede “a impugnação dos atos administrativos viciados, nem a torna particularmente onerosa , [pois] impõe apenas um compasso de espera” (Acórdão n.º 161/99). Trata-se, pois, de uma norma com uma projeção muito indireta sobre o conteúdo das relações laborais, encontrando-se afastada do conjunto de direitos e deveres que moldam o contrato de trabalho na função pública. Mesmo por referência à matéria disciplinar, os efeitos da norma não são diretos nem imediatos (desde logo, não modelam os pressupostos nem o conteúdo do poder disciplinar), tratando-se de impor uma exigência processual que “não viola a garantia constitucional da acionabilidade dos atos administrativos viciados – é dizer, a garantia do direito ao recurso contencioso [cfr., a propósito, os Acórdãos n. os 9/95, 603/95, 115/96, 499/96, 1143/96 (publicados no Diário da República , II Série, de 23 de março de 1995, 14 de março de 1996, 6 de maio de 1996, 3 de julho de 1996 e 11 de fevereiro de 1997), 24/96 e 159/96 (estes, por publicar)” (Acórdão n.º 161/99). Em suma, a norma sub judice orbita a matéria do trabalho na função pública, mais do que interfere com o respetivo núcleo, razão pela qual – à luz da jurisprudência citada, que reconduz a noção de “legislação do trabalho” para os efeitos previstos no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) , da CRP, às normas que versem diretamente sobre a “regulamentação e efetivação de todos os direitos fundamentais reconhecidos aos trabalhadores na Constituição, mas não já [às] normas que apenas tutelam indireta e reflexamente esses direitos” (Acórdão n.º 774/19) – há que concluir que o referido preceito constitucional não impunha, no caso, a participação das associações sindicais na discussão do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro. 2.5.3. Como se referiu (cfr. item 2.5.1., supra ), não se verificando a primeira condição para concluir pela violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da CRP, improcede a invocada inconstitucionali- dade, sem necessidade de tomar posição quanto à segunda. 2.6. Não se verificando quaisquer das inconstitucionalidades invocadas pela Recorrente, nem se prefi- gurando outras de que o Tribunal deva conhecer, improcede o recurso. III – Decisão 3. Face ao exposto, decide-se: a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, quando interpretado no sentido segundo o qual se atribui natureza necessária ao recurso tutelar de ato punitivo praticado em procedimento disciplinar, previsto nos artigos 224.º e 225.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, assim derrogando a natureza facultativa de tal recurso; e, em consequência, b) negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, na modalidade respetiva, caso lhe tenha sido atribuído e se mantenha (vide fls. 204). Lisboa, 22 de abril de 2020. – Manuel da Costa Andrade.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=