TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
538 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do ato delegado em relação ao da lei delegante, pelo que, se o “sentido” não tem que exprimir-se em abundantes princípios ou critérios diretivos, deverá, pelo menos, ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa preencher a função paramétrica que a Constituição lhe confere. Nesta ordem de ideias escreveu António Vitorino ( op. cit. , pp. 238 e 239): ‘O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera conjugação dos elementos objeto (matéria ou matérias da reserva relativa de com- petência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os poderes delegados) e extensão (aspetos da disciplina jurídica daquelas matérias que integram o objeto da autorização que vão ser modificados), não constitui, contudo, exigência especificada de princípios e critérios orientadores (...), mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve constituir essencialmente um pano de fundo orientador da ação do Governo numa tripla vertente: – por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a expressão pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na perspetiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente (é o sentido na ótica do delegante); – por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (é o sentido na ótica do delegado); – e, finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a conhecer aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspetiva genérica das transformações que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da outorga da autorização (é o sentido na ótica dos direitos dos particulares, numa zona revestida de especiais cuidados no texto constitucional – as matérias que incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República) . […]” (itálicos acrescentados). 2.4.2. Verifiquemos, pois, à luz da jurisprudência constitucional citada, se as razões da recorrente mere- cem acolhimento. A recorrente refere, nas suas alegações, as alíneas ww) a bbb) , e especialmente a alínea xx) , do artigo 2.º da Lei n.º 42/2014, de 11 de julho, dos quais retira apenas, genericamente, “a previsão de que as reclamações e recursos administrativos devem ter natureza facultativa, salvo se a lei os ‘denominar’ como necessários”. Atente-se, antes de mais, na redação das alíneas d) , ww), e xx) : Artigo 1.º Objeto A presente lei concede ao Governo autorização legislativa para aprovar o novo Código do Procedimento Admi- nistrativo. Artigo 2.º Sentido e extensão No uso da autorização legislativa conferida pelo artigo anterior, pode o Governo: (…) d) Determinar que as disposições do novo Código do Procedimento Administrativo, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, [se aplicam] subsidiariamente aos procedimentos administra- tivos especiais; (…) ww) Definir o regime das reclamações e dos recursos administrativos, instituindo que os interessados têm o direito de impugnar os atos administrativos perante a Administração Pública, solicitando a sua revogação, anulação, modificação ou substituição ou reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, em incum- primento do dever de decisão, solicitando a emissão do ato pretendido;
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