TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

535 acórdão n.º 230/20 Como se pode ler no Acórdão n.º 502/19: “[…] Perante esta reserva de competência do Parlamento, a intervenção legislativa do Governo (a menos que munida de credencial parlamentar, por via de lei de autorização legislativa) corresponderá à concretização ou desenvolvi- mento do regime regulado pela lei da Assembleia da República, tarefa à qual se associam limites. Como escreve Paulo Veiga e Moura «[c]ontudo, a autonomia do Governo não lhe permite criar um ordenamento diverso, pois a cria- ção de exceções ou o estabelecimento de princípios contrários ao regime definido pelas “bases” não são considerados como desenvolvimento das mesmas » ( A Privatização da Função Pública , cit., p. 99). […]” (itálico acrescentado). Ou seja, a inconstitucionalidade orgânica pode, então, decorrer da derrogação de “princípios vetores” (a expressão é do Acórdão n.º 502/19) consagrados na lei de bases. Nesta linha, a aceitar-se a interpretação dos artigos 224.º e 225.º, n.º 1, supra descrita, apesar de a previsão do caráter necessário do recurso hierárquico ou tutelar não integrar, pela sua natureza, matéria de competência legislativa reservada à Assembleia da República (neste sentido, cfr. o item 2.3.4., supra ), ela ficaria subtraída ao âmbito da competência legislativa do Governo se, e na medida em que, contrariasse o regime da lei de bases. Nessa perspetiva, a norma contida no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, não se teria limitado a desenvolver o regime dos artigos 224.º e 225.º da LGTFP – ela derrogaria o caráter facultativo da impugnação administrativa, consagrado expressamente naquele artigo 224.º. Assim, e por essa via – insiste-se: não pela direta inserção da matéria regulada em qualquer alínea do n.º 1 do artigo 165.º da CRP –, no específico âmbito do regime disciplinar da função pública, o Governo só poderia consagrar a natureza necessária do recurso tutelar com autorização da Assembleia da República. Mas, ainda que se aceitem todos os pressupostos acima descritos (como se verá infra, para apreciar o mérito do recurso o Tribunal Constitucional não tem de tomar posição sobre a questão do caráter facul- tativo ou necessário do recurso tutelar em matéria disciplinar antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), a inconstitucionalidade arguida só se verificaria se o Governo, ao aprovar o Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, não estivesse autorizado a introduzir a apontada modificação pela Lei n.º 42/2014, de 11 de julho. É o que, agora, importa apurar. 2.4. Com efeito, o NCPA foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, ao abrigo da Lei n.º 42/2014, de 11 de julho. Entende a recorrente que esta Lei não autorizava o Governo a modificar a natureza do regime do recurso tutelar em matéria disciplinar, transformando-o em necessário. Para tanto, mobiliza os seguintes argumentos: “[…] O supracitado artigo 3.º, n.º 1, alínea c) consta do Decreto Lei n.º 4/2015, de 7/01, publicado mediante autorização legislativa constante da Lei n.º 42/2014, de 11/07. Este último diploma configura o ato normativo pelo qual o Governo foi autorizado a aprovar um novo Código do Procedimento Administrativo, diploma que consabidamente fixa as regras gerais de procedimento administrativo. A matéria relativa às reclamações e recursos administrativos consta do artigo 2.º, alíneas ww) a bbb), sendo que a alínea xx) da Lei de Autorização Legislativa, normativos de onde decorre a previsão de que as reclamações e recursos administrativos devem ter natureza facultativa, salvo se a lei os “denominar” como necessários.

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