TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
533 acórdão n.º 230/20 na lei e, salvo disposição em contrário, tem carácter facultativo (cf. artigo 177.º, n.º 2, do Código do Procedi- mento Administrativo). Quando, porém, o recurso tutelar for obrigatório, só a decisão da entidade com poderes de tutela ou de superintendência pode ser objeto de impugnação contenciosa. Num tal caso, pois, a decisão desta última entidade torna-se necessária para abrir a via da impugnação contenciosa (cf. o n.º 5 do citado artigo 177.º, conjugado com o artigo 167.º do mesmo Código e com os artigos 25.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). O recurso tutelar necessário, na medida em que condiciona o acesso à via judiciária para impugnação dos atos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, assume, assim, a natureza de um simples pressuposto processual. Por isso, a norma do artigo 30.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de julho, que impõe a apresentação de um recurso tutelar como condição prévia de acesso à via judiciária para impugnação de um ato administrativo, não versa sobre as garantias dos administrados, maxime sobre a garantia do direito ao recurso contencioso. Ela versa, sim, sobre processo – recte, sobre processo administrativo. [….] A norma do artigo 30.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, não invade, por isso, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República: ela que não versa, de facto, sobre as garantias dos administrados – e, assim, sobre direitos de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, maxime , sobre o direito ao recurso contencioso. 5.4. Inconstitucional seria a norma que, com o estabelecimento de um pressuposto processual, tornasse impossível ou particularmente onerosa a impugnação contenciosa dos atos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Sê-lo-ia, porque, num tal caso, violaria a garantia do direito ao recurso contencioso. Esta é, porém, uma questão que, no caso, se não coloca, pois, como este Tribunal já teve ocasião de decidir, por diversas vezes, a exigência de prévia interposição de recurso hierárquico necessário não viola a garantia constitucional da acionabilidade dos atos administrativos viciados – é dizer, a garantia do direito ao recurso contencioso [cf., a propósito, os Acórdãos n. os 9/95, 603/95, 115/96, 499/96, 1143/96 [publicados no Diário da República , II Série, de 23 de março de 1995, 14 de março de 1996, 6 de maio de 1996, 3 de julho de 1996 e 11 de fevereiro de 1997), 24/96 e 159/96 (estes, por publicar)] . Bem se compreende, de resto, que assim seja. É que, tal exigência servirá, por vezes, para economizar um recurso contencioso, funcionando, assim, como instru- mento de racionalização do acesso à via judiciária: basta que, interposto recurso gracioso, o particular obtenha, ao nível da Administração, a reformulação da decisão que considera lesiva dos seus direitos ou interesses legítimos. E, quando não evite o recurso contencioso, a utilização desse meio administrativo não impede a impugnação dos atos administrativos viciados, nem a torna particularmente onerosa; impõe apenas um compasso de espera. […]” (itálicos acrescentados). Os argumentos atrás expendidos valem, também, para afastar a integração de uma norma com os contor- nos daquela que molda o objeto do presente recurso na previsão da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. Considerando que as bases do regime da função pública se caracterizam “[…] pela sua importância para a estruturação do regime jurídico das relações de emprego público” (Acórdão n.º 502/19, já citado), e tendo em mente que, como se assinalou já (cfr. item 2.3.2., supra ), se trata nestes autos de uma norma que rege uma dimensão processual secundária e eventual, posterior à decisão administrativa tomada pelo órgão com com- petência disciplinar, que é apta a tornar-se definitiva e que, apesar de operar como condição da impugnação contenciosa, não a restringe, não impedindo “[…] a impugnação dos atos administrativos viciados, nem a [tornando] particularmente onerosa, [pois] impõe apenas um compasso de espera” (Acórdão n.º 161/99), é segura a conclusão de que o estabelecimento do caráter necessário do recurso tutelar não se qualifica, só por si, como regra das bases do regime da função pública – ou seja, não integra, pela natureza da matéria regu- lada, a previsão da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
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